Ao contrário da edição passada do congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), onde os holofotes na área gastrointestinal estavam voltados para a disputa no cenário do câncer colorretal metastático, a 51a edição da ASCO traz um panorama GI diversificado, com estudos interessantes em câncer colorretal, estômago e reto. Anelisa Coutinho (foto), presidente do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), comenta alguns destaques da edição esse ano.
Ano passado, o estudo CALGB/SWOG 80405, que avaliou bevacizumabe ou cetuximabe em combinação com os regimes de quimioterapia FOLFOX ou FOLFIRI em pacientes com câncer colorretal metastático sem mutações KRAS, concetrou as atenções no panorama GI no evento de Chicago. este ano o foco deve ser outro. “Precisamos de novas drogas. Há alguns anos que só contamos com os anti-VEGFr e os anti-EGFR associados as combinações de quimioterápicos já conhecidos há algum tempo. A comparação entre as duas classes de anticorpos em primeira linha já não parece ser o foco deste ano. A busca continua por melhor classificar os tumores molecularmente, buscar novos alvos, novas drogas, novas combinações, explorando também outras vias de sinalização”, afirma Anelisa.
Nessa linha, a especialista aponta o estudo que avalia a eficácia do inibidor de MEK trametinib (T), do inibidor de BRAF dabrafenib (D), e do anticorpo anti-EGFR panitumumab (P) em pacientes com câncer colorretal metastático BRAF V600E mutado (Abstract 103 - J Clin Oncol 33, 2015). “ Tínhamos alguns dados preliminares de estudos avaliando a associação de inibidores de BRAF, inibidores de MEK, e/ou anti-EGFR. Sabemos que os pacientes BRAF mutados, cerca de 5%, tem um prognóstico muito pior”, diz. O estudo TRIBE já havia mostrado que utilizar de uma só vez o folfoxiri mais o bevacizumabe nos BRAFs mutados pode ser uma estratégia. Mas sempre fica a questão: será que esses pacientes se beneficiariam de drogas anti-EGFR? “Biologicamente a resposta seria não, considerando a cadeia de sinalização. Mas é uma questão que precisa de confirmação, assim como também a melhor combinação e estratégia indicada para os pacientes BRAF mutados”, diz.
No estudo, os pacientes com câncer colorretal metastático BRAF mutado receberam tratamento duplo (dabrafenib + panitumumabe) ou triplo (dabrafenib + trametinib + panitumumab). 20 pacientes receberam a dose dupla completa (dabrafenib 150mg duas vezes ao dia [BID] + panitumumab 6mg/kg a cada duas semanas [Q2W]). No braço triplo, 35 pacientes receberam dabrafenib + trametinib + panitumumab, incluindo 24 pacientes que receberam a dose tripla completa (D 150mg BID + T 2mg uma vez por dia [QD] + P 6mg/ kg Q2W).
Os resultados mostraram que atividade clínica com tolerabilidade aceitável foi observada com o tratamento triplo (D + T + P). Os pacientes agora estão sendo matriculados para receber trametinib + panitumumab, e resultados atualizados, incluindo a sobrevida livre de progressão e a duração da resposta, serão apresentados. (NCT01750918)
Terapia local e terapia sistêmica associadas em pacientes metastáticos
Outra linha de estudos destacada pela presidente do GTG é em relação a terapia local associada a terapia sistêmica nos pacientes metastáticos. “Como será o comportamento de terapias locais na era de novas drogas mais eficientes, e combinações?”, questiona. A especialista aponta dois abstracts em relação a essas associações, com duas formas de terapia local associadas à quimioterapia sistêmica, ou comparado com quimioterapia sistêmica. Um deles é o estudo CLOCC (Abstract 3501 - J Clin Oncol 33, 2015), já apresentado na ASCO em 2010, que avalia a ablação por radiofrequência combinado à quimioterapia versus quimioterapia apenas, em pacientes com metástases hepáticas colorretais irressecáveis. “É um estudo de fase II randomizado, com pequeno número de pacientes, mas que apresentou a atualização dos resultados de sobrevida”, explica.
O CLOCC apresentou na ASCO os resultados da sobrevida global após um acompanhamento médio de 9,7 anos. Entre 2002 e 2007, 119 pacientes foram randomizados entre quimioterapia isolada (59 pacientes) ou ablação por radiofrequência + quimioterapia (60 pacientes). Em ambos os braços a quimioterapia consistia em seis meses de FOLFOX (oxaliplatina 85 mg/m2 e LV5FU2), e bevacizumabe desde outubro de 2005. O endpoint primário foi a taxa de sobrevida global em 30 meses maior que 38% para o grupo de tratamento combinado. Sobrevida global e sobrevida livre de progressão foram endpoints secundários.
Os resultados indicam que o endpoint primário foi atingido, com taxa de sobrevida global em 30 meses de 61,7% (95% CI: 48,2-73,9) para o tratamento combinado. A taxa de sobrevida global em 30 meses para o tratamento sistêmico isolado foi de 57,6% (95% CI: 44,1-70,4), maior do que o previsto. Houve uma diferença significativa na mediana de sobrevida global a favor do braço da combinação, que foi de 45,6 meses (95% CI: 30,3-67,8) vs 40,5 meses (95% CI: 27,5-47,7) no braço da quimioterapia isolada. (NCT00043004)
Outro estudo nessa mesma linha, aguardado com mais curiosidade, é o SIRFLOX (Abstract 3502 - J Clin Oncol 33, 2015), um randomizado de fase III mais robusto, que avalia a eficácia e a segurança da combinação de quimioterapia FOLFOX ± bevacizumabe com FOLFOX ± bevacizumabe + radioterapia interna seletiva com ítrio (SIRT) como tratamento de primeira linha de pacientes com metástases hepáticas de câncer colorretal metastático. O estudo comparou o braço A, onde os pacientes receberam mFOLFOX6 ± bev ao braço B, onde foi administrado mFOLFOX6 + SIRT administrada uma vez com o ciclo 1 ± bev até progressão da doença. O endpoint primário foi sobrevida livre de progressão usando RECIST v1.0.
“É interessante saber o resultado da associação entre a terapia com radiação seletiva com ítrio no cenário multidrogas, comparado com a poliquimioterapia associada ou não ao anticorpo monoclonal. É uma terapia mais recente, poucos serviços têm disponibilidade aqui no Brasil”.
O estudo conclui que no tratamento de primeira linha desses pacientes, a adição de SIRT à quimioterapia padrão não conseguiu melhorar a sobrevida livre de progressão global. No entanto, a mediana de sobrevida livre de progressão no fígado foi estendida significativamente. A adição de SIRT foi associada com toxicidade aceitável. A análise da sobrevida global combinando dados de SIRFLOX e dois outros estudos em curso neste cenário da doença ainda são aguardados. (NCT00724503).
“Apesar de não ter melhorado a sobrevida livre de progressão global, melhorou a sobrevida local, do fígado. A avaliação aqui precisaria ser individualizada, em pacientes selecionados. Talvez seja importante para aquele paciente em que comprometimento hepático é maior. Do ponto de vista paliativo também pode ser interessante, uma vez que o controle no órgão mais grosseiramente acometido pode minorar sintomas relacionados como dor por exemplo”, observa. Segundo Anelisa, os resultados indicam que não é possível recomendar globalmente, como um novo standard, considerando a ausência de benefício em sobrevida global além de custo e uma disponibilidade limitada.
A especialista acredita que a tendência é continuar indicando seletivamente, como já se faz, em casos selecionados, com a diferença de agora ter dados de primeira linha. “Ainda é preciso verificar melhor os resultados, os efeitos adversos, e possível interferência desta modalidade terapêutica na tolerabilidade das linhas subsequentes de tratamento sistêmico ”.
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