José Carlos Sadalla (foto), médico do setor de ginecologia oncológica do ICESP, discute critérios da citorredução primária no câncer de ovário e enfoca quando e para quem indicar a quimioterapia neoadjuvante.
José Carlos Sadalla (foto), médico do setor de ginecologia oncológica do ICESP, discute critérios da citorredução primária no câncer de ovário e enfoca quando e para quem indicar a quimioterapia neoadjuvante.
O câncer de ovário é o segundo câncer pélvico nos países desenvolvidos, sendo o mais letal de todos. No Brasil, assume o terceiro lugar em incidência, estando atrás das neoplasias de colo uterino e endométrio, com 6150 novos casos em 2016, segundo estimativas do INCA publicadas no mesmo ano. Em relação à mortalidade, o último dado foi de 2013, com 3283 óbitos pela doença. A maioria dos cânceres de ovário se encontra em estádio avançado ao diagnóstico, com pior prognóstico. Este fato advém dos poucos sintomas da doença em estádio inicial; sintomas estes que são vagos e não levantam a suspeita deste câncer.
Além do estadiamento, o principal fator prognóstico em relação ao tempo livre de doença e à sobrevida global é a cirurgia de citorredução. O objetivo da citorredução é não haver doença residual macroscópica ao término do procedimento. Caso não seja possível, pelo menos devemos deixar menos de 1cm (um centímetro) de volume tumoral.
Infelizmente, a taxa de citorredução primária é ao redor de 40% apenas. No intuito de elevar estas taxas, desenvolveu-se a estratégia de quimioterapia (QT) neoadjuvante, seguida da cirurgia de intervalo. Esta estratégia aumentou consideravelmente as taxas de citorredução ótima para 60-80%. Os estudos mostram que esta modalidade de tratamento é não-inferior à citorredução primária. Entretanto, existem críticas estes trabalhos. As principais críticas se devem ao menor tempo cirúrgico gasto nas cirurgias (com média inferior a 3 horas), menores taxas de citorredução ótima e menor sobrevida livre de doença e sobrevida global do que o esperado.
As candidatas à QT neoadjuvante são as pacientes com comorbidades graves, de alto risco cirúrgico (como cardiopatas e pneumopatas graves) e de alto risco de deiscência e problemas de cicatrização (como diabetes descontrolado e usuárias de corticosteróides em altas doses). Mais ainda, também as pacientes com os seguintes achados cirúrgicos ou pré-operatórios: doença extra-abdominal, infiltração da raiz do mesentério, infiltração maciça da cápsula pancreática, ressecção de mais de 1/3 do intestino delgado e metástases parenquimatosas hepáticas.
Diversas estratégias foram desenvolvidas no intuito de predizer a citorredução ótima através de critérios clínicos. O marcador tumoral CA-125 não se provou bom preditor de citorredução ótima. Vários critérios de imagem, principalmente tomográficos (TC), foram desenvolvidos com esta finalidade. Os principais critérios à TC são: invasão de raiz do mesentério, envolvimento de linfonodos celíacos, envolvimento maciço do diafragma, envolvimento espleno-pancreático, envolvimento gástrico, envolvimento do hilo hepático, metástase parenquimatosa hepática, carcinomatose difusa e acometimento de 3 ou mais segmentos de intestino. Todavia, estes critérios são de difícil reprodutibilidade, mesmo nos grandes centros dedicados ao tratamento de câncer.
A SGO (Sociedade de Ginecologia Oncológica Americana) e a ASCO (Sociedade de Oncologia Clínica Americana) recomendam que estádio IIIC ou IV deva ser tratado por oncoginecologista. Sugerem QT neoadjuvante caso a paciente tenha alto risco cirúrgico ou caso a cirurgia citorredutora deixe mais de 1cm de volume tumoral. Orientam citorredução primária caso haja morbidade aceitável e possibilidade de citorredução ótima (de preferência, sem doença residual).
Nos casos de dúvida, deve-se lançar mão da laparoscopia para estadiamento. Os escores mais usados são o PCI (índice de carcinomatose peritoneal) e o escore de Fagotti. Caso se julgue factível a citorredução primária, realizamos a cirurgia up-front. Caso não seja possível a citorredução ótima, fazemos apenas biópsia para confirmar o diagnóstico e encaminhamos a paciente para QT neoadjuvante.
Já naqueles casos que sabemos de antemão da irressecabilidade do tumor ou das más condições clínicas da paciente, procedemos à biópsia por imagem. Confirmando o diagnóstico histológico de câncer de ovário/trompa/peritôneo procedemos à QT neoadjuvante.
Resumindo, nos estádios iniciais (I/II) procedemos à citorredução primária. Nos estádios IIIC (irressecáveis ou com más condições clínicas da paciente) e no estádio IV indicamos QT neoadjuvante. No estádio III, onde há dúvida sobre a possibilidade de citorredução ótima, fazemos a laparoscopia diagnóstica com aplicação dos escores (PCI ou Fagotti). Caso seja factível a citorredução ótima, assim o fazemos. Caso não seja factível, começamos o tratamento com QT neoadjuvante.