Revisão publicada em junho no New England Journal of Medicine faz uma atualização crítica das práticas e recomendações de rastreamento do câncer colorretal. Os oncologistas Rachel P. Riechelmann (foto) e Celso Abdo Mello, membros do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), comentam para o Onconews. "É de suma importância termos políticas nacionais de rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce do câncer colorretal, pois em muitos casos a cura é possível", afirmam os autores.
Revisão publicada em junho no New England Journal of Medicine faz uma atualização crítica das práticas e recomendações de rastreamento do câncer colorretal. Os oncologistas Rachel P. Riechelmann (foto) e Celso Abdo Mello, membros do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG), comentam para o Onconews. "É de suma importância termos políticas nacionais de rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce do câncer colorretal, pois em muitos casos a cura é possível", afirmam os autores.
Por Rachel P. Riechelmann e Celso Abdo Mello*
Vários estudos randomizados com diferentes estratégias diagnósticas demonstraram que o rastreamento primário do câncer colorretal reduz mortalidade específica por esta neoplasia. Os testes diagnósticos mais comprovadamente eficazes são a pesquisa de sangue oculto nas fezes, a retosigmoidoscopia, mais recentemente, pesquisa de DNA tumoral e a colonoscopia. Esta última é considerada o padrão ouro no rastreamento primário ou secundário do câncer colorretal, porque além de detectar lesões iniciais e pré-malignas, permite a ressecção de pólipos e/ou biópsia de lesões suspeitas durante o exame. Porém, o custo de se realizar colonoscopia em larga escala na população não é desprezível, de forma que testes menos invasivos, como a pesquisa de sangue oculto nas fezes, através do teste de guaiaco ou imunoquímico, são recomendados como método primário de rastreamento populacional. Diante de um resultado positivo, a colonoscopia é mandatória como método diagnóstico definitivo. Como ferramenta de rastreamento, nenhum teste é mais recomendado em detrimento de outro, sendo preferível aquele com maior aderência à população específica.
Revisão recente publicada no New England Journal of Medicine em junho de 2017 faz uma atualização crítica das práticas e recomendações de rastreamento do câncer colorretal esporádico.1
Testes utilizados
Existem vários estudos randomizados que demonstraram redução de mortalidade de aproximadamente 30% com a pesquisa de sangue oculto nas fezes como método de rastreamento primário. O exame é simples e barato, podendo ser coletado em casa, e feito anualmente ou a cada 2 anos. A pesquisa de sangue pode ser direta, através do teste do guaico, ou pelo uso de anticorpos que detectam sangue humano (teste imunoquímico ou FIT). A vantagem do FIT é que não há falsos positivos de acordo com presença de sangue na dieta (carne vermelha) ou reações cruzadas com guaico (brócolis). A grande desvantagem da pesquisa de sangue oculto nas fezes é que não são capazes de identificar lesões pré-malignas.
A sigmoidoscopia flexível já foi estudada em ensaios randomizados que confirmam sua efetividade em reduzir mortalidade por câncer de colon esquerdo em 26 a 31%. Geralmente é recomendada sua realização a cada 5 anos. Ainda que seja capaz de detectar lesões pré-cancerosas, a sigmoidoscopia não visualiza o cólon direito, sendo por isso, uma técnica de rastreamento subótima.
A colonoscopia é o exame padrão ouro no rastreamento do câncer colorretal. Meta-análise de estudos observacionais mostrou redução de 68% na mortalidade global.2 Porém, curiosamente, não houve redução no risco de morte para lesões do cólon direito. Uma explicação para este achado é que pólipos serráteis são difíceis de serem visualizados, tendem a se desenvolver mais comumente no cólon direito e estão associados a fenótipos mais agressivos da doença, com mutações no oncogene BRAF e via de carcinogênese do tipo instabilidade de microssatélites. Ainda assim, a colonoscopia é o exame mais completo no diagnóstico do câncer colorretal porque permite diagnóstico e tratamento de lesões iniciais. Existem riscos associados a este exame, como perfurações, sangramentos, dor e riscos cardiovasculares relacionados ao procedimento anestésico. Por exemplo, numa população de 1000 pessoas entre 50 e 75 anos, estima-se que 14 a 15 delas desenvolverão complicações graves se fizerem colonoscopia a cada 10 anos.
Mais recentemente, marcadores moleculares têm sido usados para rastrear câncer colorretal. A pesquisa de DNA tumoral nas fezes e no sangue. Nas fezes, o teste utilizado é o FIT-DNA, um painel de genes comumente alterados em câncer colorretal (mutações em KRAS, NDRG4, metilação em BMP3 e Beta-actina) combinado ao FIT. O teste foi aprovado pelo FDA após um estudo não controlado demonstrar maior sensibilidade (92.3% vs 73.8%) e menor especificidade (86.6% vs 94.9%) em comparação ao FIT sozinho. Ainda não há dados de mortalidade, além de não sabermos sua real efetividade na detecção de lesões pré-malignas. O outro teste de DNA tumoral é a pesquisa de metilação do gene SEP19, chamado teste SEP19-DNA. Um estudo comparativo, não randomizado, mostrou que a presença de SEP19 metilado circulante teve sensibilidade de 48.2% e especificidade de 91.5%, com valor preditivo negativo de 99.5%, em comparação com colonoscopia. Também não há estudos sobre redução de mortalidade com SEP19-DNA ou acurácia para diagnóstico de lesões pré-cancerosas.
Por último, um novo teste de rastreamento não invasivo é a tomografia computadorizada de colonografia (TCC). A sensibilidade e especificidade deste teste para detectar adenomas de pelo menos 1 cm variou entre 66.7 a 93.5% e de 86.0 a 97.9%, respectivamente. TCC oferece risco de exposição à radiação e baixa acurácia para pólipos serráteis. Não há estudos sobre impacto em sobrevida.
Quem deve fazer rastreamento e quando:
• O rastreamento do câncer colorretal deve ser realizado por adultos sem fatores de risco a partir dos 50 anos de idade até os 75 anos. Entre 76 e 85 anos, o rastreamento deve ser individualizado e discutido o com paciente, considerando que outras comorbidades comuns nessa faixa etária oferecem maior risco de mortalidade. Não se recomenda rastreamento a partir de 85 anos.
• Para aqueles com história familiar de câncer colorretal abaixo de 60 anos, recomenda-se iniciar rastreamento a partir dos 40 anos ou 10 anos antes do parente mais jovem que teve diagnóstico do câncer colorretal, o que ocorrer antes.
• Não há teste padrão para o rastreamento, devendo ser recomendado aquele que oferece mais chance de aderência após discussão com paciente.
• De maneira geral, recomendam-se os testes de pesquisa de sangue nas fezes anualmente ou colonoscopia a cada 10 anos, se a primeira for normal.
Discussão
Há evidências claras de que o rastreamento do câncer colorretal tem impacto positivo na sobrevida da população. A depender da estratégia utilizada, como por exemplo a pesquisa de sangue oculto nas fezes, o rastreamento do câncer colorretal é custo-efetivo, principalmente levando em consideração o custo do tratamento deste câncer no cenário metastático. Assim, perguntamos: por que não temos uma campanha efetiva de rastreamento do câncer colorretal no Brasil? Uma das respostas é a muito provável baixa aderência. A aderência ao rastreamento do câncer colorretal nos EUA é de 60%. No Brasil, não há dados e tampouco campanhas de rastreamento. A baixa adesão à colonoscopia pode ser vista no nosso cotidiano. Quando indagamos o acompanhante de nossos pacientes que já foram diagnosticados com câncer colorretal sobre a realização do exame, muitas vezes a resposta é: ainda não fiz, vou deixar para depois. Também não há campanhas de conscientização da população sobre o risco e fatalidade do câncer colorretal, assim como sua alta chance de cura se detectado precocemente.
Por efetivamente reduzir a mortalidade como rastreamento primário, somos da opinião de que os próprios pacientes poderiam ir aos postos de saúde/hospitais/convênios médicos e solicitar o teste de pesquisa de sangue oculto nas fezes, com devidas orientações de coleta. Isso deveria ser possível independente do paciente ter que passar em um médico para que este solicite seu exame; de posse do resultado, o paciente poderia agendar a consulta médica. A mesma estratégia deveria ser aplicada a outros testes de rastreamento, como o exame de Papanicolau, por exemplo.
Exercitar a medicina preventiva deve fazer parte da boa prática de todo médico, inclusive do especialista. O oncologista que trata habitualmente de pacientes com câncer colorretal avançado, não infrequentemente se depara com familiares de primeiro grau que ainda não fizeram o exame de colonoscopia.3
Além disso, é de suma importância termos políticas nacionais de rastreamento, diagnóstico e tratamento precoce do câncer colorretal, pois em muitos casos a cura é possível.
*Sobre os autores: Rachel P. Riechelmann é diretora científica do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
Celso Abdo Mello, oncologista clínico com foco de atuação em câncer colorretal e membro associado do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG)
Referências:
1- Inadomi JM. Screening for colorectal neoplasia. NEJM 376:2
2- Renner H, Stock C, Hoffmeister M. Effect of screening sigmoidoscopy and screening colonoscopy on colorectal can- cer incidence and mortality: systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials and observational studies. BMJ 2014;348:g2467.
3- Garcia GH, Riechelmann RP, Hoff PM. Adherence to colonoscopy recommendations for first-degree relatives of young patients diagnosed with colorectal câncer. Clinics (Sao Paulo). 2015;70(10):696-9