Recentemente foram apresentados na ASCO 2017 os resultados dos dois mais esperados estudos em câncer de endométrio: um com foco na doença inicial de risco intermediário alto/alto risco (PORTEC 3) e o outro na doença localmente avançada (GOG 258). Quem comenta é o oncologista Eduardo Paulino, membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (GBTG/EVA) e médico do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Americas Centro de Oncologia Integrado, no Rio de Janeiro.
Recentemente foram apresentados na ASCO 2017 os resultados dos dois mais esperados estudos em câncer de endométrio: um com foco na doença inicial de risco intermediário alto/alto risco (PORTEC 3) e o outro na doença localmente avançada (GOG 258). Quem comenta é o oncologista Eduardo Paulino, membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (GBTG/EVA) e médico do Instituto Nacional do Câncer (INCA) e do Americas Centro de Oncologia Integrado, no Rio de Janeiro.
Por Eduardo Paulino
Dois estudos em câncer de endométrio apresentados na ASCO 2017, o PORTEC 3 e o GOG 258, tinham como hipótese o aumento da sobrevida com a combinação de quimiorradioterapia em comparação com o tratamento padrão para os estádios iniciais (radioterapia pélvica adjuvante, PORTEC3) ou localmente avançado (quimioterapia adjuvante, GOG 258). O braço experimental de ambos estudos tinha como base o tratamento promissor observado no estudo de fase II RTOG 9708, que combinava radioterapia pélvica (5 semanas) com cisplatina (na 1 e 4 semanas) seguido por 4 ciclos adicionais de quimioterapia adjuvante com platina e taxane.
No PORTEC 3, 686 pacientes em estágio inicial (FIGO I) considerados de risco alto (endometrioides G3 com mais de 50% de invasão miometrial ou invasão angiovascular), estágios II a III, ou qualquer estágio de histologia serosa/células claras foram randomizados entre 2006 e 2013 para o tratamento combinado versus radioterapia pélvica. Os braços foram bem balanceados, com aproximadamente 45% em estádio III, 28% de histologia seroso/células claras e 42% sem linfadenectomia.
Após um seguimento mediano de 5 anos, o estudo não atingiu seu objetivo primário de sobrevida global (82 x 77%, HR 0,79, IC 0,57-1,12, p=0,18) ou sobrevida livre de recaída (76% x 69%, HR 0,77, IC 0,58-1,03, p=0,078) em 5 anos. Em análise de subgrupo houve um aumento da sobrevida livre de recaída para o estágio III, subgrupo este que claramente já se beneficiou da quimioterapia em estudo prévio (GOG 122). Outras análises (univariadas) mostraram benefício do tratamento combinado para as pacientes com mais de 70 anos ou com invasão angiovascular.
Entretanto, divergindo das recomendações do consenso europeu para tratamento do câncer de endométrio, aparentemente o subgrupo das pacientes sem linfadenectomia não se beneficiou da adição de quimioterapia (análise univariada, portando sujeito aos vieses inerentes ao método). Houve ainda uma maior toxicidade para o braço experimental, com uma piora na qualidade de vida e da escala funcional ao término da radioterapia e aos 6 meses da randomização (final da quimioterapia adjuvante). Aos 24 meses, 25% das pacientes que receberam o tratamento combinado apresentavam parestesias comparado a 6% no braço da radioterapia (p<0,0001).
O segundo estudo (GOG 258) randomizou 813 pacientes com estágio FIGO III e IV entre 2009 a 2014 para o tratamento padrão com quimioterapia (braço controle) versus quimiorradioterapia (braço experimental). Os grupos foram bem balanceados, com aproximadamente 75% das pacientes em estágio IIIC e 20% com histologia seroso/células claras.
Após um seguimento de 47 meses, o estudo não atingiu seu objetivo primário de sobrevida livre de recorrência (HR 0,9, IC 0,74-1,10). Apesar de imaturo para sobrevida global, não se pôde observar nenhuma tendência para benefício da adição da radioterapia (objetivo secundário, sobrevida global em 5 anos estimada de 70 versus 73%). Houve maior toxicidade graus 3 e 4 para sintomas constitucionais, musculoesqueléticos e metabólicos para o tratamento combinado e mielotoxicidade para o tratamento padrão.
Conforme já observado em estudos anteriores, a recaída locorregional (vaginal, linfonodos pélvicos/paraorticos) foi menor para o braço combinado e sistêmica para o braço controle.
Diante destes resultados, o que muda na nossa prática diária? Retornando ao título desta resenha, o termo atribuído a Hipócrates refere-se ao princípio da não maleficência. Sendo assim, devemos ao máximo basear nossas condutas no melhor nível de evidência possível, o que na prática médica refere-se aos estudos de nível I (ensaios clínicos randomizados). Para pacientes em estágio inicial (FIGO I e II), PORTEC 3 é o terceiro ensaio clínico randomizado negativo avaliando o impacto de quimiorradioterapia adjuvante comparado a radioterapia pélvica (juntamente com a análise conjunta dos estudos EORTC/ILIADE e GOG 249).
Apesar de diversas críticas que podemos citar nestes 3 estudos, e diferente de doenças raras, na qual temos baixo nível de evidência, a adição de quimioterapia não trouxe benefício neste cenário em estudos de nível I e, portanto, não deve ser recomendado de rotina, podendo ser uma opção apenas em casos extremamente selecionados.
Já em tumores localmente avançados (FIGO III e IV), quimioterapia adjuvante permanece como tratamento “standard” e a adição de radioterapia deve ser considerada apenas quando a intenção é diminuir a recorrência locorregional.
Referências:
Abstract 5502: Final results of the international randomized PORTEC-3 trial of adjuvant chemotherapy and radiation therapy (RT) versus RT alone for women with high-risk endometrial câncer - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5502)
Abstract 5505: A randomized phase III trial of cisplatin and tumor volume directed irradiation followed by carboplatin and paclitaxel vs. carboplatin and paclitaxel for optimally debulked, advanced endometrial carcinoma. - J Clin Oncol 35, 2017 (suppl; abstr 5505)