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Daichii Sankyo

 

Estimativa de Mortes Prematuras por Falta de Acesso à Terapia Anti-HER2 para Câncer de Mama Avançado no Sistema Público de Saúde Brasileiro

BARRIOS_NET_OK.jpgEstudo de pesquisadores brasileiros publicado online no Journal of Global Oncology (JGO) dia 20 de julho buscou estimar o impacto da falta de acesso a terapias anti-HER2 na mortalidade de pacientes com câncer de mama avançado HER2-positivo tratados no sistema de saúde pública no Brasil. O oncologista Carlos Barrios (foto) é um dos autores.

BARRIOS_NET_OK.jpgEstudo de pesquisadores brasileiros publicado online no Journal of Global Oncology (JGO) dia 20 de julho buscou estimar o impacto da falta de acesso a terapias anti-HER2 na mortalidade de pacientes com câncer de mama avançado HER2-positivo tratados no sistema de saúde pública no Brasil. O oncologista Carlos Barrios (foto) é um dos autores.

Resumo
 
Objetivo Pacientes com tumores metastáticos positivos para o receptor do fator de crescimento epidérmico humano (HER2) tratadas no sistema público de saúde brasileiro não têm acesso aotrastuzumabe. Este estudo visou estimar o impacto da falta de acesso às terapias anti-HER2 na mortalidade destas pacientes.
 
Métodos Com base nos dados publicados estimou-se o número de pacientes com câncer de mama avançado HER-2 positivo em 2016 que deve receber terapia para este câncer. Três grupos diferentes de tratamento foram considerados para esta coorte hipotética:  apenas quimioterapia, quimioterapia mais trastuzumabe e quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe. O número de pacientes vivas após 2 anos de seguimento foi estimado com base nos resultados de eficácia dos ensaios principais considerando essas intervenções.
 
Resultados Calculou-se que 2.008 mulheres serão diagnosticas com câncer de mama HER2 positivo no Brasil em 2016. Estimou-se que somente 808 mulheres estariam vivas em 2018, caso recebessem apenas quimioterapia (o qual é o tratamento oferecido pelo sistema público de saúde). Por outro lado, o nível sobe para 1.408 mulheres vivas em 2018 caso recebam quimioterapia acrescida de trastuzumabe e 1576 mulheres vivas em 2018 caso recebam o padrão-ouro da quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe.
 
Conclusão O trastuzumabe está incluído na lista da OMS de medicamentos essenciais, mas o sistema público de saúde brasileiro ainda não fornece este tratamento para sua população com doença avançada. A introdução de trastuzumabe e pertuzumabe teria um efeito positivo, prevenindo mortes prematuras de mulheres com câncer de mama metastático HER2 positivo no Brasil.

J Glob Oncol 00. © 2016 pela American Society of Clinical Oncology autorizada sob a Licença Creative Commons Attribution 4.0
 
Márcio Debiasi, Tomás Reinert, Rafael Kaliks, Gilberto Amorim, Maira Caleffi, Carlos Sampaio, Gustavo dos Santos Fernandes, Carlos H. Barrios
 
As afiliações dos autores aparecem ao final deste artigo.
A divulgação de potenciais conflitos de interesse e as contribuições dos autores são encontradas ao final do artigo original.
Autor correspondente: Carlos H. Barrios, MD, Latin
American Cooperative
Oncology Group, Padre Chagas 66/203, Porto Alegre, RS 90570080, Brasil; e-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..
 
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Baixado de igo.ascopubs.org em 20 de julho de 2016. Somente para uso pessoal. É vedado qualquer outro uso sem permissão.
2016 American Society of Clinical Oncology Todos os direitos reservados. 

Introdução
O câncer de mama é o câncer mais comum em mulheres no mundo todo e 70% das mortes por câncer de mama ocorrem em mulheres de países de renda baixa e média.1 O Brasil tem uma população diversa em termos étnicos, culturais e socioeconômicos e a oferta de atendimento de saúde para o país inteiro é um grande desafio. O câncer é a segunda causa principal de óbito no país depois da doença cardiovascular.2 O Instituto Nacional de Câncer (INCA) estima que haverá 57.960 casos novos de câncer de mama em 2016,3 e aproximadamente 15.000 brasileiras morrerão em consequência do câncer de mama a cada ano.4 O acesso ao atendimento de saúde está associado com os desfechos relativos ao câncer.5
 
Cerca de 15% a 20% dos cânceres de mama humanos são classificados como positivos para o receptor do fator de crescimento epitelial humano 2 (HER2), um subgrupo de tumores com um curso clínico mais agressivo e prognóstico pior.  A descoberta do HER2 levou ao desenvolvimento e aprovação da primeira terapia voltada ao HER2, o trastuzumabe.6 Agora está claro que o advento e uso rotineiro das terapias anti-HER2 melhoraram dramaticamente o controle da doença e a sobrevida em pacientes com câncer de mama HER-2 positivo.  A lista de medicamentos essenciais da OMS inclui o trastuzumabe para o câncer de mama HER-2 positivo tanto em estágio inicial quanto metastático.7 A comunidade mundial não-governamental voltada ao câncer, representada na Assembleia Mundial da Saúde pelos membros do conselho da Union for International Cancer Control, vem desempenhando um papel fundamental na diminuição da desigualdade nos serviços de saúde. Por vários anos as coalizões nacionais de defesa de pacientes, por meio de iniciativas colaborativas, têm tentado influenciar as políticas públicas para o acesso a terapias inovadoras para pacientes com câncer de mama avançado sem sucesso.8
 
Dentro do sistema de saúde pública do Brasil, que abrange cerca de três quartos da população do país, o acesso à terapia voltada ao HER2 é restrito. O padrão atual internacionalmente aceito de cuidados para o tratamento de primeira linha no câncer da mama HER2 positivo metastático é o trastuzumabe acrescido de pertuzumabe mais quimioterapia. Até há 2 anos, o padrão era trastuzumabe acrescido de quimioterapia por mais de uma década. No Brasil, o trastuzumabe foi disponibilizado para o tratamento adjuvante de pacientes com doença em estágio inicial no sistema público de saúde somente em 2013, mas ainda não é oferecido para o tratamento de mulheres com doença avançada. As pacientes com planos de saúde particulares (incluindo um quarto da população) têm acesso a todos os agentes anti-HER2 aprovados disponíveis, que incluem trastuzumabe, pertuzumabe, trastuzumabe emtansina (T-DM1) e lapatinibe. A falta de acesso ao tratamento eficaz é um problema comum nos países de renda baixa e média em comparação com os países de alta renda. As consequências desta discrepância podem ser estimadas.
 
Este estudo visou estimar o impacto da falta de acesso às terapias anti-HER2 na mortalidade de pacientes com câncer de mama HER2 positivo avançado tratado no sistema público de saúde brasileiro.
 
Métodos
As estatísticas publicadas pelo INCA3 foram utilizadas para definir a incidência de câncer de mama no Brasil. De acordo com informações oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,9 73,7% da população está coberta pela rede pública de saúde, e 27,3% tem alguma forma de plano de saúde particular.
 
Com base nas conclusões do estudo epidemiológico AMAZONA,10 supomos que aproximadamente 20% das pacientes têm doença HER2 positiva e que 94% apresentam as fases I a III, enquanto que 6% são diagnosticadas com doença em estágio IV. Supondo uma incidência constante nos últimos 5 anos, calculamos o número de mulheres diagnosticadas com câncer de mama metastático em 2016 como a soma dos novos diagnósticos, em 2016, mais as recidivas estimadas em pacientes diagnosticadas nos últimos 5 anos. Os índices de recidiva para pacientes diagnosticadas com câncer de mama HER2 positivo de estágio I a III tratado com quimioterapia mais trastuzumabe foram calculados com base em dados publicados a partir do ensaio HERA.11,12 Embora disponível no sistema público de saúde, o trastuzumabe tem sido utilizado apenas para a doença em estágio inicial desde 2013, supomos uma taxa de recidiva conservadora caso todas as pacientes tivessem recebido terapia (neo) adjuvante à base de trastuzumabe.
 
Foram considerados três grupos de tratamento em potencial para esta análise. As pacientes poderiam ser tratadas com quimioterapia apenas, quimioterapia acrescida de trastuzumabe e quimioterapia acrescida de trastuzumabe e pertuzumabe.
 
Os dados de sobrevida para o braço de quimioterapia sozinha foram baseados nos resultados do ensaio clínico randomizado publicado por Slamon et al6 em 2001. Após a publicação deste estudo, o uso de quimioterapia sozinha deixou de ser incluído como parte de qualquer ensaio clínico randomizado neste contexto por ser considerado antiético em vista da superioridade do braço contendo trastuzumabe. Os dados de sobrevida para os outros dois grupos, quimioterapia mais trastuzumabe contra quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe, tiveram por base os resultados do ensaio. CLEOPATRA.13
 
Resultados
 
Número de Diagnósticos de Câncer de Mama Metastático HER2 Positivo no Brasil em 2016
 
O INCA estima que haverá 57.960 novos casos de câncer de mama em 2016, dos quais 73,7% (42.717) serão cobertos pelo sistema público de saúde. De acordo com o estudo AMAZONA, cerca de 20% desses casos são HER2 positivos (8.543), dos quais 94% (8.030) apresentam-se com a doença entre os estágios I a III e 6% (513) com estágio IV.
 
Estimamos que 2.008 mulheres seriam diagnosticadas com câncer de mama metastático HER2 positivo em 2016. Este número foi obtido adicionando as pacientes com doença em estágio IV, em 2016 (513 mulheres), àquelas que desenvolveram recidiva da doença depois de receber tratamento (neo) adjuvante (1.495 mulheres) nos últimos 5 anos. O número de ocorrências nos últimos 5 anos foi estimado com base nos resultados do ensaio HERA.11,12 Estes dados estão resumidos na Tabela 1.
 
Estimativa de Sobrevida para os Grupos de Tratamento
 
Com base nos resultados do ensaio CLEOPATRA 13 e no ensaio publicado por Slamon et al6 em 2001, a sobrevida global mediana para os grupos de tratamento foi estimada conforme a seguir: 20,3 meses para a quimioterapia sozinha; 40,8 meses para quimioterapia mais trastuzumabe; e 56,5 meses para quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe.
 
Considerando 2.008 mulheres com câncer de mama HER2 positivo metastático em 2016 e com base nos resultados medianos de sobrevida global, taxas de mortalidade de 50, 25 e 18 mortes por mês foram estimadas para os braços de tratamento de quimioterapia sozinha, quimioterapia mais trastuzumabe e quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe, respectivamente.

 
Tabela 1 – Número Estimado de Pacientes Diagnosticadas com Câncer de Mama Metastático HER2 Positivo

 
Parâmetro % de pacientes Número estimado de pacientes
Número estimado de pacientes com diagnóstico de câncer de mama em 2016 57.960
Número estimado de pacientes cobertas pelo sistema público de saúde (supondo uma proporção constante) 73,7% de 57.960 42.717
Número estimado de pacientes com doença HER2 positiva 20,0% de 42.717 8.543
Número estimado de pacientes que apresentaram doença HER2 positiva nos estágios I-III 94% de 8.543 8.030
Número estimado de pacientes que apresentaram doença HER2 positiva no estágio IV 6% de 8.543 513
Número estimado de pacientes com recidiva em 2016 após apresentarem doença HER2 positiva nos estágios I -III nos últimos 5 anos (supondo uma incidência constante)   1.495
Taxa de recidiva no primeiro ano 5,0% de 8.030 402
Taxa de recidiva no segundo ano 5,0% de 8.030 402
Taxa de recidiva no terceiro ano 3,3% de 8.030 265
Taxa de recidiva no quarto ano 2,3% de 8.030 185
Taxa de recidiva no quinto ano 3,0% de 8.030 241
Número estimado de pacientes com câncer de mama HER2 positivo metastático em 2016. 2.008
Número estimado de pacientes com doença HER2 positiva no estágio IV novamente em 2016 513
Número de pacientes com recidivas após o diagnóstico inicial de doença HER2 positiva nos estágios I-III nos 5 anos anteriores   1.495
 
 

Aplicando estas taxas de mortalidade mensais para os próximos 24 meses, estimamos que das 2.008 mulheres com doença metastática em 2016, 808 mulheres estariam vivas após 2 anos de seguimento, se tratadas com quimioterapia apenas. Se estas mesmas mulheres fossem tratadas com quimioterapia mais trastuzumabe (como no braço de controle do ensaio CLEOPATRA), o número de pacientes vivas após 2 anos aumentaria para 1.408. Isso representa um ganho absoluto de mais de 600 mulheres vivas após 2 anos como resultado do tratamento com trastuzumabe. Além disso, o tratamento com quimioterapia mais trastuzumabe e pertuzumabe resultaria em um total de 1.576 mulheres vivas após 2 anos, um ganho absoluto de 768 pacientes. A Tabela 2 resume estes dados.
 
Discussão
Grandes esforços e conquistas em pesquisas médicas nas últimas décadas levaram a uma melhor compreensão da heterogeneidade molecular complexa do câncer em geral e do câncer de mama em particular. Indiscutivelmente, o conceito de heterogeneidade é uma das contribuições importantes para a nossa abordagem da doença. A descoberta da alteração HER214 como condutora da biologia da doença em até um quarto dos cânceres de mama representa uma mudança de paradigma na forma pela qual esta neoplasia é compreendida. É agora amplamente reconhecido que o câncer da mama compreende subtipos heterogêneos que requerem diferentes abordagens de tratamento.15 O desenvolvimento bem sucedido do trastuzumabe, a primeira droga a visar ao câncer HER2-positivo, valida o conceito de que podemos melhorar os resultados ao tratarmos o desencadeador molecular subjacente. Na última década, três outras terapias direcionadas ao HER2 - lapatinibe, pertuzumabe e T-DM1- obtiveram aprovação legal com base em dados reproduzíveis e consistentes, indicando benefícios tanto em casos de doença em estágio inicial quanto metastática.14,16
 
Vários estudos têm identificado que os cânceres de mama HER2 positivos possuem uma biologia mais agressiva e estão associados a resultados inferiores, incluindo um tempo menor até a progressão da doença e sobrevida global mais curta.17,18 O advento das terapias anti-HER substituiu significativamente este mau prognóstico, de modo que as pacientes com câncer de mama metastático HER2 positivo tratado com terapias modernas voltadas para o HER2 agora experimentam resultados comparáveis, se não superiores, às pacientes com doença HER2 negativa.19
 
Tabela 2 – Estimativas de dois anos de sobrevida para 2.008 mulheres brasileiras com novo diagnóstico de câncer da mama HER2 positivo metastático tratadas em três diferentes cenários

 
 
  Número estimado de mulheres ainda vivas
Mês de seguimento Quimioterapia sozinha Quimioterapia mais Trastuzumabe Quimioterapia mais Trastuzumabe e Pertuzumabe
0 (diagnóstico) 2.008 2.008 2.008
1 1.958 1.983 1.990
2 1.908 1.958 1.972
3 1.858 1.933 1.954
4 1.808 1.908 1.936
5 1.758 1.883 1.918
6 1.708 1.858 1.900
7 1.658 1.833 1.882
8 1.608 1.808 1.864
9 1.558 1.783 1.846
10 1.508 1.758 1.828
11 1.458 1.733 1.810
12 1.408 1.708 1.792
13 1.358 1.683 1.774
14 1.308 1.658 1.756
15 1.258 1.633 1.738
16 1.208 1.608 1.720
17 1.158 1.583 1.702
18 1.108 1.558 1.684
19 1.058 1.533 1.666
20 1.008 1.508 1.648
21 958 1.483 1.630
22 908 1.458 1.612
23 858 1.433 1.594
24 808 1.408 1.576
 
 

Os ensaios principais ilustram a evolução do tratamento de câncer de mama HER2-positivo avançado em termos de benefícios de sobrevida global. No final dos anos 90, as pacientes que foram aleatoriamente designadas para a quimioterapia tiveram uma sobrevida global mediana de 20,3 meses.6 Mais recentemente, as pacientes tratadas no braço de quimioterapia e trastuzumabe no ensaio CLEOPATRA apresentaram uma sobrevida global mediana de >40 meses. No mesmo estudo, as pacientes que receberam bloqueio anti-HER duplo com pertuzumabe e trastuzumabe em combinação com quimioterapia com taxano demonstraram uma sobrevida global de >56 meses.13 Estas melhorias clinicamente significativas nos resultados têm sido associadas com perfis de toxicidade aceitáveis, como demonstrado pelos resultados relatados por pacientes a partir de dados de ensaios clínicos randomizados. Em particular, a administração em longo prazo de anticorpos monoclonais anti-HER2 mostrou ser muito mais tolerável do que a quimioterapia prolongada. O acompanhamento de rotina da função cardíaca, embora seja o efeito potencial adverso mais grave, leva à detecção precoce de disfunção cardíaca, permitindo um manejo adequado e seguro das pacientes mais afetadas. Reconhecendo esses benefícios significativos, a OMS incluiu o trastuzumabe na sua lista de medicamentos oncológicos essenciais.
 
As taxas de sobrevida de câncer de mama de 5 anos podem variar de cerca de 80% em países de alta renda para 60% em países de renda média e 40% em países5,20 de baixa renda. Entre outros fatores, a situação financeira e o acesso à prestação de serviços de saúde estão associados com os resultados relativos ao câncer. Disparidades de renda marcantes são identificadas no Brasil. É compreensível que a distribuição da riqueza no país afete a distribuição da doença, o acesso aos cuidados de saúde e, consequentemente, a saúde geral e as taxas específicas de sobrevida relativa à doença da população. Vários fatores que explicam algumas dessas disparidades nos resultados foram previamente analisados. Estes incluem atrasos no diagnóstico, como resultado da baixa conscientização sobre o câncer e implementação do rastreamento mamográfico, e as questões relacionadas com o tratamento, como a qualidade da cirurgia, bem como o acesso limitado à radioterapia e terapias sistêmicas modernas.1
 
O sistema de saúde brasileiro tem dois componentes principais: o sistema público, o Sistema Único de Saúde (SUS), com financiamento fornecido pelo Ministério da Saúde, e o sistema complementar ou privado, que incluem planos e seguros de saúde voluntários e não obrigatórios. Aproximadamente 73% da população tem acesso ao atendimento de saúde apenas através do SUS.1,21
 
Para uma nova droga ser aprovada no Brasil, a mesma deve seguir um processo de regulamentação rigoroso coordenado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).22 Uma vez que o registro é concedido através desse processo, a maioria dos medicamentos (com poucas exceções) torna-se disponível para os pacientes do sistema de saúde privado. Para os pacientes do sistema público, no entanto, é necessária uma etapa de aprovação adicional em que a análise da viabilidade econômica é realizada por outra comissão, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC). A maioria dos modernos medicamentos de alto custo avaliados pela CONITEC não foi aprovada para uso dos pacientes da rede pública por conta de evidências científicas supostamente insuficientes do seu benefício, falta de viabilidade econômica ou documentação incompleta no arquivo de solicitação.
 
Os medicamentos anti-HER2 são um exemplo claro de tais decisões equivocadas. As pacientes do sistema privado têm acesso ao trastuzumabe (desde 1999), lapatinibe (desde 2007), pertuzumabe (desde 2013) e T-DM1 (desde 2014). No sistema público, as pacientes com câncer de mama HER2 positivo em estágio inicial têm obtido acesso ao trastuzumabe apenas durante os últimos 3 anos; aquelas com doença metastática ainda não recebem qualquer forma de terapia anti-HER2, embora benefícios reprodutíveis e consistentes tenham sido claramente demonstrados por quase duas décadas. A estimativa do número de óbitos em consequência da introdução tardia do adjuvante trastuzumabe já foi apresentada.23
 
Esta enorme diferença na qualidade do tratamento de câncer de mama entre as situações pública e privada é ainda uma causa a mais para as disparidades significativas, além do diagnóstico tardio,22 atrasos no tratamento e radioterapia insuficiente. Em 2006, as mulheres com câncer de mama HER2 positivo tinham uma probabilidade 10 vezes maior de receber trastuzumabe se tivessem plano de saúde particular. Nessa época, apenas 6% das pacientes com câncer de mama HER2 positivo receberam trastuzumabe no sistema público contra 56% no setor privado.1,24 O estágio mais avançado no momento do diagnóstico, juntamente com um acesso insuficiente a terapias sistêmicas modernas, condena as pacientes a um resultado de sobrevida pior quando comparado com aquelas com cobertura de saúde privada.
 
Uma alternativa que as pacientes têm procurado, enquanto enfrentam essas restrições de acesso, é entrar com processos específicos contra o governo para receber o trastuzumabe, uma situação comum em quase todos os países latino americanos.25 A base legal para estes litígios é a constituição brasileira, que garante assistência médica universal a todos os cidadãos brasileiros.26 Uma segunda solução parcial foi encontrada por alguns governos estaduais, que complementam a lista de terapias contra o câncer com algumas terapias modernas de alto custo (incluindo trastuzumabe). Essas soluções locais acabam sendo apenas temporárias e parciais.
 
Embora o trastuzumabe tenha recebido aprovação da ANVISA para o tratamento da doença HER2 positiva metastática em 1999, ainda não se tornou disponível para as pacientes do sistema público. A sua aprovação para o tratamento precoce da doença foi concedido em 2007. As pacientes com plano de saúde particular têm acesso ao tratamento desde essa data, mas aquelas com cobertura do sistema público têm acesso somente ao trastuzumabe em uma situação adjuvante desde o final de 2012.27 A falta de acesso a um tratamento potencialmente benéfico tem consequências que podem ser estimadas.
 
Nossos resultados mostram que aproximadamente 2.008 mulheres serão diagnosticadas com câncer de mama HER2-positivo metastático em 2016. Com base em nossas estimativas, se tratadas com quimioterapia, sem quaisquer agentes voltados ao HER2, apenas 808 dessas mulheres estarão vivas em 2018. Por outro lado, se o trastuzumabe for incorporado, espera-se que 1408 delas estejam vivas. A disponibilidade do trastuzumabe no sistema público de saúde para pacientes com doença metastática resultaria em um adicional de 600 mulheres vivas ao final de 2 anos. Tornando esta situação ainda mais dramática, a publicação do ensaio CLEOPATRA13 levou a uma mudança no tratamento padrão ouro do câncer de mama HER2 positivo avançado: bloqueio duplo com trastuzumabe e pertuzumabe. De acordo com nossa análise, se o bloqueio duplo do HER2 acrescido da quimioterapia fosse utilizado, a diferença no número de mulheres vivas após 2 anos seria ainda maior: 768 pacientes.
 
Nós reconhecemos que o cumprimento da promessa da medicina de precisão para todas as pacientes irá exigir um enorme esforço, não só de médicos e pesquisadores, mas também de empresas farmacêuticas e agências governamentais, entre outros. Ao mesmo tempo, é imperativo reconhecer que as consequências de privar uma proporção significativa de pacientes de países de renda baixa e média de uma terapia eficaz podem ser previstas. Este exercício deve ser um componente importante a ser levado em conta ao se discutir o que será ou não oferecido como tratamento.
 
Esta análise tem limitações significativas. Os dados específicos dos países de renda baixa e média são escassos e precariamente reportados, o que significa que tivemos de confiar primordialmente nas estimativas do INCA. Além disso, é importante afirmar que estamos extrapolando as diferenças na sobrevida diretamente de ensaios clínicos randomizados, e é possível que essas diferenças sejam menos pronunciadas na prática clínica geral. Esta suposição pode introduzir um viés favorecendo a diferença entre os tratamentos na vida real. Por outro lado, visto que o trastuzumabe foi introduzido no tratamento adjuvante apenas em 2013, as nossas estimativas são conservadoras, supondo-se uma taxa de recidiva menor do que a das pacientes que não recebem o trastuzumabe nesta situação. Concluindo, 15 anos após a aprovação mundial do trastuzumabe para câncer de mama metastático e 1 ano após sua inclusão na lista de medicamentos essenciais da OMS, o sistema público de saúde brasileiro não fornece ainda este tratamento para sua população. A introdução do trastuzumabe e pertuzumabe aumentaria significativamente o tempo de vida de mulheres com câncer de mama HER2 positivo metastático no Brasil e evitaria 768 mortes prematuras nos próximos 2 anos.
 
 
Sobre os autores: Márcio Debiasi and Carlos H. Barrios, Latin American Cooperative Oncology Group; Márcio Debiasi, Hospital São Lucas da Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Márcio Debiasi and Tomás Reinert, Hospital do Câncer Mãe de Deus; Maira Caleffi, Federacão Brasileira de Instituicões Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama; Carlos H. Barrios, Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul School of Medicine, Porto Alegre; Rafael Kaliks, Hospital Israelita Albert Einstein; Gustavo dos Santos Fernandes, Hospital Sírio-Libanês, São Paulo; Gilberto Amorim, Centro de Oncologia D’Or, São Cristóvão; Carlos Sampaio, Clinica Assistência Multidisciplinar em Oncologia, Salvador; and Gustavo dos Santos Fernandes, Sociedade Brasileira de Oncologia, Belo Horizonte, Brazil.
 
DOI: 10.1200/JGO.2016.005678
Publicado online em jgo.ascopubs.org em 20 de julho de 2016.
 
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