O Lancet Oncology acaba de publicar na edição de julho dois artigos sobre hipofracionamento no tratamento do câncer de próstata, que descrevem dois importantes estudos de fase III. Conheça os dados, com a análise do radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
O Lancet Oncology acaba de publicar na edição de julho dois artigos sobre hipofracionamento no tratamento do câncer de próstata, que descrevem dois importantes estudos de fase III. Conheça os dados, com a análise do radio-oncologista Robson Ferrigno (foto), do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes, da Beneficência Portuguesa de São Paulo.
*Por Robson Ferrigno
Dois artigos prospectivos e randomizados sobre radioterapia hipofracionada em câncer de próstata foram publicados na edição de junho de 2016 do periódico Lancet Oncology1,2. Ambos compararam regimes de radioterapia de fracionamento convencional com regime hipofracionado, ou seja, menor número de aplicações com doses maiores por fração.
O estudo CHHiP envolveu 71 Instituições do Reino Unido, Suiça e Nova Zelândia e recrutou mais de 3000 pacientes. Foram comparados três fracionamentos de radioterapia com técnica de IMRT: 74 Gy em 37 frações de 2 Gy; 60 Gy em 20 frações de 3 Gy e 57 Gy em 19 frações de 3 Gy. Com seguimento mediano de cinco anos, a sobrevida livre de doença foi semelhante nos três grupos (88,3%, 90,6% e 85,9%, respectivamente, p<0,05). Foi considerado como não inferioridade a comparação dos grupos de pacientes que receberam 70 Gy em 34 frações em relação aos que receberam 60 Gy em 20 frações. Não houve diferença significativa na toxicidade aguda e tardia gênito-urinária e gastro-intestinal1.
O estudo HYPRO envolveu sete Instituições da Holanda e recrutou 820 pacientes. Foram comparados dois fracionamentos de radioterapia: 78 Gy em 39 frações e 64,6 Gy em 19 frações. Com seguimento mediano de cinco anos, a sobrevida livre de recorrência foi semelhante nos dois grupos (77,1% e 80,5%, respectivamente, com p=0,36)2.
Comentários
Os autores do estudo CHHiP recomendam a radioterapia hipofracionada com dose de 60 Gy em 30 frações como novo padrão de radioterapia externa para o câncer de próstata, enquanto que os autores do estudo HYPRO não recomendam o emprego do regime hipofracionado utilizado (64,6 Gy em 19 frações).
A diferença das duas recomendações é resultante dos diferentes objetivos de cada estudo. Ambos mostraram ausência de diferença no resultado de controle da doença, porém, o CHHiP é um estudo de não inferioridade, portanto, positivo, enquanto que o HYPRO é um estudo de superioridade, portanto, negativo.
No estudo CHHiP não houve aumento de toxicidade tanto aguda como tardia em reto e bexiga, motivo pelo qual os autores se sentem confortáveis em indicar o fracionamento estudado como padrão. Embora o estudo HYPRO não mencione toxicidade, publicação anterior e recente reportou aumento de toxicidade aguda e tardia, tanto gênito-urinária como gastro-intestinal, com o regime hipofracionado3. A dose de 64,6 Gy em 19 frações (utilizada pelo HYPRO) é biologicamente maior do que a de 60 Gy em 20 frações (utilizada pelo CHHiP), o que pode, em parte, explicar o aumento de toxicidade com regime hipofracionado no estudo HYPRO.
A radioterapia hipofracionada é uma estratégia bastante atraente, principalmente no Brasil, uma vez que possui custo menor, o tratamento é mais rápido, portanto, mais confortável para o paciente, e permite aumento do acesso a vagas de radioterapia, atualmente bastante escassas em nosso meio, principalmente no âmbito do SUS. No entanto, não devemos ainda aplicá-la de rotina e fora do contexto de estudos clínicos.
Os dois estudos publicados no Lancet Oncology possuem seguimento mediano de cinco anos, o que ainda é curto para termos segurança de aplicarmos o regime hipofracionado em nossa rotina. Outros estudos publicados também possuem seguimento mediano em torno de cinco a seis anos4,5.
Além disso, a aplicação de regime hipofracionado implica obrigatoriamente no emprego de tecnologia adequada. Para tanto, é necessário que o serviço de radioterapia tenha disponibilidade de técnica de modulação da intensidade do feixe de radiação (IMRT) para assegurar uma adequada e concentrada dose de radiação na próstata e vesículas seminais, poupando ao mesmo tempo, reto e bexiga, e recursos de radioterapia guiada por imagem (IGRT) para acompanhar a movimentação da próstata e o posicionamento diário do paciente. A ausência desses recursos aumenta as chances de complicações em reto e bexiga, o que pode ser pior se for utilizado regime hipofracionado.
Ambas as técnicas mencionadas não constam no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) para câncer de próstata e, portanto, sem cobertura obrigatória pelos planos de saúde. No âmbito do SUS a situação é ainda muito pior, tanto para acesso ao tratamento como para disponibilidade de tecnologia, com exceção de poucas Instituições. Devido á baixa remuneração da radioterapia pelo SUS, o parque tecnológico no Brasil está bastante sucateado na maior parte do país e longe de oferecer técnicas que permitam segurança para o tratamento do câncer de próstata com radioterapia hipofracionada.
Se confirmados os resultados de não inferioridade da radioterapia hipofracionada para o câncer de próstata a longo prazo (seguimento de pelo menos 10 anos) dos estudos randomizados, essa estratégia se tornará bastante atraente para o Brasil, desde que a tecnologia ideal para isso esteja implantada. Até lá, a radioterapia hipofracionada deve ser aplicada apenas para pacientes inseridos em protocolos de pesquisa e por Instituições adequadamente equipadas com IMRT e IGRT.
Autor: Robson Ferrigno é coordenador dos Serviços de Radioterapia do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes – Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo
Referências
1- Dearnaley D, Syndikus I, Mossop H, et al, on behalf of the CHHiP Investigators. Conventional versus hypofractionated high-dose intensity-modulated radiotherapy for prostate cancer: 5-year outcomes of the randomised, non-inferiority, phase 3 CHHiP trial. Lancet Oncol 2016; published online June 20. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30102-4
2- Incrocci L, Wortel RC, Alemayehu WG, et al. Hypofractionated versus conventionally fractionated radiotherapy for patients with localised prostate cancer (HYPRO): final efficacy results from a randomised, multicentre, open-label, phase 3 trial. Lancet Oncol 2016; published online June 20. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S1470-2045(16)30070-5
3- Aluwini S, Pos F, Schimmel E, et al. Hypofractionated versus conventionally fractionated radiotherapy for patients with prostate cancer (HYPRO):
late toxicity results from a randomised, non-inferiority, phase 3 trial. Lancet Oncol 2016; 17: 464–74.
4- Lee WR, Dignam JJ, Amin MB, et al. Randomized phase III noninferiority study comparing two radiotherapy fractionation schedules in patients with low-risk prostate cancer. J Clin Oncol 2016; published online April 4. DOI:10.1200/JCO.2016.67.0448.
5- Koontz BF, Bossi A, Cozzarini C, Wiegel T, D’Amico A. A systematic review of hypofractionation for primary management of prostate cancer. Eur Urol 2015; 68: 683–91.
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