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Daichii Sankyo

 

Vol.I Número 01 - Out 2018

Avanços na cirurgia do câncer de reto – O que há de novo?

Bottom line

Na neoplasia de reto, diversas estratégias cirúrgicas visam garantir margens de ressecção adequadas para melhores resultados oncológicos, com menor morbidade e comprometimento funcional. A estratégia cirúrgica utilizada deve depender da disponibilidade dos diferentes métodos, treinamento do cirurgião e aspectos relacionados ao paciente e à doença. Embora a excisão total do mesorreto seja a estratégia terapêutica definitiva, é preciso conhecer previamente as dificuldades esperadas no procedimento cirúrgico. Independente da estratégia adotada, o planejamento da ressecção com exames de estadiamento adequados é fundamental para o sucesso do procedimento.

Rodrigo Oliva Perez1,2,3, Bruna Borba Vailati1,2, Guilherme Pagin São Julião1,2

1 Instituto Angelita e Joaquim Gama - São Paulo/SP
2 Grupo de Cirurgia Colorretal Oncológica do Hospital BP e BP Mirante - São Paulo/SP
3 Ludwig Institute for Cancer Research - São Paulo/SP

Abstract

Novas modalidades terapêuticas para a neoplasia de reto estão tornando o tratamento da doença cada vez mais complexo. A cirurgia permanece sendo seu pilar principal, e procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos tentam combinar desfechos oncológicos favoráveis com menor morbidade. Este artigo discute novas estratégias cirúrgicas para a terapia do câncer retal, principalmente o uso de abordagens minimamente invasivas.
O crescente interesse em diferentes métodos para a excisão total do mesorreto (ETM), incluindo a via laparoscópica, robótica e transanal, é justificado pela busca de métodos minimamente invasivos e que também garantam um espécime cirúrgico de melhor qualidade, fator preditivo conhecido para melhores resultados oncológicos.
Além dos procedimentos cirúrgicos, o artigo aborda a terapia neoadjuvante com quimioterapia e radioterapia (nQRT), estratégia com acompanhamento clínico-radiológico sem cirurgia imediata (Watch & Wait) que evita cirurgias potencialmente desnecessárias, assim como a morbidade e mortalidade associadas ao tratamento cirúrgico.

Palavras-chave: Preservação de órgão, ressecção local, cirurgia robótica, cirurgia laparoscópica, TaTME, câncer de reto

Excisão Total de Mesorreto (Aberta, Laparoscópica ou Robótica)

O desenvolvimento de novas modalidades terapêuticas vem aumentando a complexidade do tratamento da neoplasia do reto1. Apesar da considerável morbidade pós-operatória, consequências funcionais e até mortalidade, a excisão total do mesorreto (ETM) adequada (com mesorreto íntegro, margens distal ≥1cm e radial >1mm) está associada a excelente controle local da doença na neoplasia de reto2. O controle local parece ser diretamente relacionado à obtenção de um espécime cirúrgico adequado, independente da técnica cirúrgica utilizada para a ETM. Historicamente, a ETM aberta é considerada a técnica cirúrgica padrão para o tratamento do câncer de reto. Entretanto, o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas para o tratamento cirúrgico das neoplasias de cólon melhorou significativamente os resultados cirúrgicos imediatos, com resultados oncológicos similares a longo prazo.
Em teoria, no tratamento cirúrgico da neoplasia de reto, com uma melhor visualização da pelve e a padronização dos passos do procedimento, esperava-se que a cirurgia por acesso minimamente invasivo traria resultados ao menos similares aos do câncer de cólon. Estudos randomizados avaliaram especificamente esses aspectos na neoplasia de reto3-6. Os principais desfechos avaliados nesses estudos são achados anatomopatológicos (qualidade do mesorreto e margens circunferenciais livres) como preditores de resultados oncológicos, notadamente o controle local da doença.
O ensaio clinico randomizado coreano (COREAN trial) demonstrou resultados oncológicos similares comparando ETM aberta e laparoscópica, sugerindo a segurança do uso rotineiro da cirurgia minimamente invasiva4. O estudo COLOR II, realizado na Europa, também demonstrou resultados oncológicos similares comparando as duas técnicas3. No estudo ACOSOG, cirurgiões foram previamente avaliados quanto à habilidade cirúrgica para serem incluídos. Nesse estudo, os investigadores usaram como desfecho primário achados anatomopatológicos. Originalmente desenhado para demostrar a não-inferioridade da ETM laparoscópica, o estudo falhou em demonstrar que a técnica minimamente invasiva não era inferior à técnica aberta. A ETM laparoscópica resultou em achados patológicos inferiores, considerados fatores preditores de desfechos oncológicos5. Estudo similar realizado na Austrália e Ásia (ALACART) obteve resultados semelhantes, falhando em demonstrar a não-inferioridade da laparoscopia em relação à cirurgia aberta para a realização de ETM6
Outra técnica inicialmente promissora para melhorar os resultados da ETM foi a cirurgia robótica. A melhora da visualização e instrumentação do reto associada a uma melhor ergonomia para o cirurgião prometia melhora dos resultados oncológicos no tratamento cirúrgico da neoplasia de reto. Apesar disso, o único estudo prospectivo randomizado utilizou um desfecho clínico não-oncológico para mostrar potencial benefício do uso do robô neste contexto clínico: a conversão para cirurgia aberta. Neste estudo randomizado (ROLARR) comparando ETM robótica e laparoscópica não foram observadas diferenças significativas nas taxas de conversão para a cirurgia aberta entre os grupos7.

ETM Transanal

Com o objetivo de solucionar os problemas da cirurgia de ETM, uma nova via de acesso foi sugerida, a ETM transanal. Essa técnica consiste na dissecção do mesorretal por via transanal.
A experiência adquirida em cirurgia transanal, com a realização de ressecções locais e o desenvolvimento de plataformas de procedimentos endoscópicos microcirúrgicos, levou os cirurgiões a considerar a realização da excisão total do mesorreto por via transanal (TaTME)8. O primeiro passo desse procedimento consiste na secção do reto distal ao tumor, garantindo a margem distal (um dos marcadores essenciais para resultados oncológicos à longo prazo). Uma vez que o reto é seccionado circunferencialmente, a excisão total do mesorreto é realizada sob visão direta, permitindo a obtenção de um espécime cirúrgico com boa qualidade e com margem radial livre. A dissecção prossegue cranialmente enquanto outro time realiza o procedimento por via abdominal e encontra o plano de dissecção perineal para completar a proctectomia.
Mesmo que estudos randomizados ainda não estejam disponíveis, a experiência inicial sugere resultados patológicos (margem radial e distal e qualidade do mesorreto) similares ou a até superiores na abordagem transanal9.

Preservação de Órgão no Tratamento do Câncer do reto

Além das diferentes estratégias cirúrgicas, a terapia neoadjuvante com quimio e radioterapia bem como a avaliação da resposta tumoral após esse tratamento também vem mudando a história do tratamento da neoplasia de reto. A quimioterapia e radioterapia neoadjuvante (nQRT) está associada a significativa regressão tumoral, gerando resposta patológica completa (regressão completa da lesão) em até 42% dos pacientes10. A avaliação da resposta tumoral após a nQRT pode identificar pacientes com resposta clínica completa (ausência de lesão identificável clinicamente ou por exames de imagem). Estes pacientes têm sido considerados candidatos para estratégias com preservação de órgão, incluindo Watch & Wait e a Ressecção Local Transanal. O acompanhamento clínico-radiológico sem cirurgia imediata (estratégia Watch & Wait) evita cirurgias potencialmente desnecessárias, assim como a morbidade e mortalidade associadas ao tratamento cirúrgico. Além disso, esta estratégia esta associada a excelentes resultados funcionais e resultados oncológicos semelhantes aos da cirurgia radical11-15. Finalmente, o seguimento rigoroso permite a identificação precoce de recorrência local e procedimento cirúrgico de resgate sem comprometimento oncológico16.

Ressecção Local para Resposta Incompleta

Os efeitos de quimioterapia e radioterapia neoadjuvante (nQRT) sobre o tamanho do tumor primário e potencial esterilização de linfonodos perirretais poderiam estabelecer o cenário ideal para o tratamento de tumores de reto com resposta parcial através de ressecções locais em casos selecionados. Pacientes com tumores residuais pequenos, sem evidência de metástases linfonodais e que de outra forma necessitariam de amputação de reto ou anastomoses ultra-baixas seriam os melhores candidatos.
Um estudo randomizado comparando ressecção local com ETM laparoscópica em tumores cT2N0 após QRTn sugeriu taxas similares de sobrevida livre de recorrência local e morbidade pós-operatória, favorecendo a ressecção local17. Outro estudo prospectivo com o manejo de cT2N0 pós-QRT mostra taxa de recidiva local, inferior a 5%, sugerindo que estratégias de preservação de órgão poderiam ser seguras nesses pacientes18. Entretanto, a excisão local de tumores primários com má resposta à QRT provou-se insuficiente. Apesar de uma ressecção R0 “aparentemente” apropriada, a presença de focos de tumor descontínuo, muitas vezes distantes da úlcera principal pode contribuir para a recidiva local19-21.
Embora seja considerada estratégia com preservação de órgão, é preciso levar em conta as possíveis conseqüências da excisão local em pacientes previamente submetidos à QRT. A sutura de duas bordas irradiadas do reto pode levar a dificuldades significativas na cicatrização, gerando considerável morbidade e as altas taxas de deiscência da ferida após esse procedimento22,23. As deiscências da ferida podem resultar em dor anal e disfunção anorretal significativas. Caso seja necessária realização de ETM nesses pacientes, é provável que a qualidade do mesorreto seja afetada negativamente24. Finalmente, em caso de recidiva local, o risco de que a cirurgia de resgate precise ser uma amputação de reto com colostomia definitiva é bastante significativo25,26.

Conclusão

As diversas estratégias cirúrgicas para o tratamento da neoplasia de reto tentam garantir margens adequadas de ressecção para melhores resultados oncológicos, com menor morbidade e comprometimento funcional. A estratégia cirúrgica utilizada deve depender da disponibilidade dos diferentes métodos, treinamento do cirurgião e aspectos relacionados ao paciente e à doença. Embora a excisão total do mesorreto seja a estratégia terapêutica definitiva, é útil conhecer previamente as dificuldades esperadas no procedimento cirúrgico. Independente da estratégia adotada, o planejamento da ressecção com exames de estadiamento adequados é fundamental para o sucesso do procedimento.

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rodrigo perezRodrigo Oliva Perez (foto) é cirurgião oncológico no Instituto Angelita e Joaquim Gama - São Paulo/SP, médico do Grupo de Cirurgia Colorretal Oncológica do Hospital BP e BP Mirante - São Paulo/SP e membro do Ludwig Institute for Cancer Research, em São Paulo








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