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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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Daichii Sankyo

 

Vol. I Número 04 Nov 2019

Radioterapia após neoadjuvância – quando indicar após mastectomia?

Bottom line

As indicações clássicas de RT após mastectomia têm o objetivo de evitar recaída local ou regional. Atualmente, com quimioterápicos mais efetivos, como antracíclicos e taxanos, é controverso o emprego da RT após mastectomia em pacientes com um a três linfonodos comprometidos, como indicava meta-análise do EBCTCG*. No cenário de QT neoadjuvante não há estudos prospectivos e randomizados que comparem o emprego da radioterapia adjuvante após mastectomia. A principal dúvida é a respeito da indicação da RT após mastectomia em pacientes que atingiram resposta patológica completa após QT neoadjuvante, informação ainda à espera dos resultados do NRG Oncology Group 9353. Análise de fatores preditivos para recaída locorregional a partir de dados dos dois principais estudos prospectivos e randomizados de QT neoadjuvante (NSABP B-18 e o NSABP B-27) mostrou que a presença de linfonodo comprometido na peça cirúrgica (estádio ypN+) foi o maior fator de recaída locorregional. Assim, o painel de especialistas recomenda de forma consensual o emprego da RT após QT neoadjuvante e mastectomia em pacientes com linfonodos patologicamente positivos (estádio ypN+). 

Robson Ferrigno


Robson Ferrigno é médico radioterapeuta e coordenador dos serviços de Radioterapia dos Hospitais BP Paulista, BP Mirante e do Grupo Oncoclínicas. 

Resumo:

Neste artigo de revisão, o autor discute evidências e controvérsias da indicação de radioterapia (RT) após neoadjuvância, considerando quando recomendar RT após mastectomia.

As indicações clássicas de RT após mastectomia consideram tumor primário acima de 5 cm, quatro ou mais linfonodos comprometidos, metástases em linfonodos com extensão extracapsular, tumores multicêntricos, invasão da pele e margens comprometidas.

Em pacientes com um a três linfonodos comprometidos, meta-análise do Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group mostrou benefícios que hoje são questionados diante de quimioterápicos mais efetivos, como antracíclicos e taxanos.  A principal dúvida recai sobre a indicação da RT após mastectomia em pacientes que atingiram resposta patológica completa com QT neoadjuvante, informação ainda à espera dos resultados do NRG Oncology Group 9353.

Análise de fatores preditivos para recaída locorregional a partir de dados dos dois principais estudos prospectivos e randomizados de QT neoadjuvante (NSABP B-18 e o NSABP B-27) mostrou que o principal fator de recaída locorregional foi a presença de linfonodo comprometido na peça cirúrgica (estádio ypN+). Assim, a recomendação atual é o emprego da RT após QT neoadjuvante e mastectomia naquelas pacientes com linfonodos patologicamente positivos (estádio ypN+).

Outra controvérsia atual no contexto da QT neoadjuvante é o esvaziamento axilar em pacientes com linfonodo sentinela positivo, questão que deve ser futuramente respondida pelo estudo Alliance A11202.

Palavras chave: câncer de mama, radioterapia, quimioterapia neoadjuvante

A radioterapia (RT) adjuvante em câncer de mama após mastectomia tem a finalidade de evitar recaída local ou regional.  A indicação, a dose e o volume de entrega da radiação dependem do tipo de cirurgia e do estádio clínico. As indicações clássicas de RT após mastectomia incluem tumor primário acima de 5 cm, quatro ou mais linfonodos comprometidos, metástases em linfonodos com extensão extracapsular, tumores multicêntricos, invasão da pele e margens comprometidas1.

Meta-análise do Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group (EBCTCG)* avaliou 22 estudos prospectivos e randomizados com um total de 8135 pacientes, comparando mastectomia com ou sem RT adjuvante.  Entre as pacientes com axila negativa, a RT não trouxe benefício no controle locorregional, na recorrência global e nem na mortalidade câncer específica. Entre as pacientes com linfonodos comprometidos, a RT aumentou o controle locorregional em 10 anos (91,9% versus 74%; 2p<0,00001), diminuiu a recorrência global em 10 anos (51,9% versus 62,5%; 2p<0,00001) e diminuiu a mortalidade câncer específica em 20 anos (58,3% versus 66,4%; 2p<0,001). Entre as pacientes com um a três linfonodos comprometidos, a RT aumentou o controle locorregional em 10 anos (95,7% versus 79%; 2p<0,00001), diminuiu a recorrência global em 10 anos (33,8% versus 45,5%; 2p<0,00009) e diminuiu a mortalidade câncer específica em 20 anos (41,5% versus 49,4%; 2p=0,01)2.

O benefício da RT adjuvante encontrado nessa meta-análise, mesmo em pacientes com um a três linfonodos comprometidos, trouxe uma mudança de indicações e pacientes nessa situação passaram a receber radioterapia adjuvante na prática clínica. No entanto, os estudos avaliados são antigos e de uma era de quimioterapia (QT) adjuvante com esquema CMF (ciclofosfamida, metotrexato e 5-fluoracil). Atualmente, com agentes quimioterápicos mais efetivos, como antracíclicos e taxanos, é controverso o emprego da RT após mastectomia em pacientes com um a três linfonodos comprometidos. O guia prático das Sociedades Americanas de Oncologia Clínica, de Radiação Oncológica e de Cirurgia Oncológica recomenda que a radioterapia adjuvante após mastectomia em pacientes com um a três linfonodos comprometidos deve ser individualizada, levando-se em consideração os perfis molecular e genético, a idade da paciente e a presença de extensão extracapsular3.

No cenário de QT neoadjuvante não há estudos prospectivos e randomizados publicados que comparem o emprego da RT adjuvante após mastectomia. Os estudos publicados a esse respeito são análises retrospectivas de coortes e, portanto, geradores de hipóteses. A principal dúvida é sobre a indicação da RT após mastectomia naquelas pacientes que atingiram resposta patológica completa após QT neoadjuvante. O estudo em andamento NRG Oncology Group 9353 está randomizando pacientes estádios clínicos T1 a T3 e/ou N1 ao diagnóstico que atingiram resposta patológica completa à QT neoadjuvante entre RT adjuvante do plastrão e drenagens linfáticas e apenas observação. Infelizmente, saberemos os resultados desse estudo apenas daqui a alguns anos.

Análise retrospectiva do MD Anderson de 226 pacientes com resposta patológica completa na peça da mastectomia após QT neoadjuvante avaliou o impacto da RT adjuvante. Em 10 anos, as pacientes estádio clínico III que receberam RT adjuvante tiveram menor recorrências locorregional (7,3% versus 33,3%; p=0,04) e maior sobrevida global (77,3% versus 33,3%; p=0,0017). Não houve benefício da RT nas pacientes estádio II antes da QT4.

Estudo francês analisou retrospectivamente 134 pacientes estádios II e III submetidas à mastectomia e que atingiram resposta patológica nos linfonodos após QT neoadjuvante. Dessas, 78 (58,2%) receberam RT adjuvante. Com seguimento mediano de 91,4 meses, a sobrevida livre de recaída local em 10 anos foi maior nas pacientes que receberam RT, porém, sem significância estatística (96,2% versus 86,8%; p=0,18). Não houve diferença também na sobrevida global, porém, a maioria das pacientes (62%) era estádio II ao diagnóstico5.

Análise de fatores preditivos para recaída locorregional a partir de dados dos dois principais estudos prospectivos e randomizados de QT neoadjuvante (NSABP B-18 e o NSABP B-27) mostrou que o principal fator de recaída locorregional foi a presença de linfonodo comprometido na peça cirúrgica (estádio ypN+). O primeiro comparou QT adjuvante com neoadjuvante usando esquema AC (adriamicina e ciclofosfamida), enquanto o segundo comparou a adição ou não de quatro ciclos de docetaxel aos quatro ciclos de QT com esquema AC antes da cirurgia. Em ambos os estudos, nenhuma paciente submetida à mastectomia recebeu RT adjuvante. Por conta disso, foi realizada uma análise de fatores preditivos para recaída locorregional dos dois estudos. Entre as pacientes submetidas à mastectomia, a recaída locorregional foi de 12,6%, sendo 9% em parede torácica e 3,6% em linfonodos. O principal fator de recaída locorregional foi a presença de linfonodo comprometido na peça cirúrgica (estádio ypN+). Outros fatores, como tamanho do tumor primário, resposta patológica na mama retirada e presença de linfonodo comprometido antes da cirurgia também influenciaram. A tabela 1 mostra as chances de recaída locorregional de acordo com o estádio clínico ao diagnóstico, o estádio patológico após mastectomia e a resposta patológica na mama retirada.

As recomendações para RT após mastectomia, mesmo no cenário de QT neoadjuvante foram incluídas no guia prático das três sociedades americanas de especialidade3. O painel de especialistas recomendou de forma consensual o emprego da RT após QT neoadjuvante e mastectomia naquelas pacientes com linfonodos patologicamente positivos (estádio ypN+). Para o grupo de pacientes inicialmente com linfonodos clinicamente negativos e que se mantém negativos na amostragem axilar após a QT (estádio cN0, ypN0), o consenso foi de não indicar a RT adjuvante. A controvérsia ainda existe para o grupo de pacientes que tinham linfonodos clinicamente positivos e que negativaram com a QT (estádio cN+, ypN0). Para esse grupo, até que o estudo NRG Oncology Group 9353 seja publicado e responda a essa questão, deve-se empregar a RT adjuvante, principalmente em pacientes com perfil triplo negativo.

O estudo ACOSOG Z1071, recentemente publicado, avaliou o impacto da RT nas mulheres com linfonodos positivos após QT neoadjuvante e esvaziamento axilar, identificando maior taxa de recaída locorregional nas pacientes triplo negativo (HR=5,91; 95% CI, 2,80 – 12,49)7.

Uma controvérsia atual no contexto da QT neoadjuvante é o emprego do esvaziamento axilar em pacientes com linfonodo sentinela positivo. Para responder essa questão o estudo Alliance A11202 está randomizando pacientes estádios clínicos cT1-3 N1 M0 submetidas à QT neoadjuvante e que apresentaram linfonodo sentinela positivo, tanto na análise intraoperatória quanto na análise patológica final, entre esvaziamento axilar seguido de RT dos níveis não dissecados (2 e 3) e RT da região axilar incluindo os níveis 1,2 e 3. A pergunta é se a RT substitui o esvaziamento axilar nessa situação, nos mesmos moldes do estudo AMAROS no cenário de QT adjuvante. Esse estudo iniciou o recrutamento em 2014 e há previsão do término desse recrutamento em 2024. Portanto, os resultados saberemos apenas em alguns anos. No cenário da QT adjuvante, os estudos randomizados NSABP B04 para pacientes tratadas com mastectomia8, o estudo francês para pacientes tratadas com cirurgia conservadora9 e o AMAROS para pacientes tratadas com cirurgia conservadora e linfonodo sentinela positivo10, mostraram não inferioridade em termos de controle locorregional, sobrevida livre de doença e sobrevida global quando a RT foi utilizada no lugar do esvaziamento axilar. Se a RT foi efetiva como alternativa ao esvaziamento axilar quando a QT foi realizada após a cirurgia, por que não seria no cenário em que a QT é realizada antes da cirurgia? Essa controvérsia permanecerá até a publicação do estudo Alliance A11202.

Tabela 1: Recidiva locorregional em 10 anos de acordo com o estádio clínico antes da QT, o estádio patológico após a QT e a resposta patológica na mama retirada, segundo análise dos estudos NSABP B18 e B276.

Estádio clínico pré QT

Estádio patológico pós QT

Resposta na mama

Número de pacientes

Recaída loco regional em 10 anos

cT1-2 N+

ypN+

Indiferente

143

17%

cT1-2 N+

ypN-

Incompleta

37

10,8%

cT1-2 N+

ypN-

Completa

21

0%

cT1-2 N-

ypN+

Indiferente

184

11,2%

cT1-2 N-

ypN-

Incompleta

178

6,3%

cT1-2 N-

ypN-

Completa

46

6,5%

cT3 N+

ypN+

Indiferente

128

22,4%

cT3 N+

ypN-

Incompleta

84

9,2%

cT3 N+

ypN-

Completa

11

0%

cT3 N-

ypN+

Indiferente

179

14,6%

cT3 N-

ypN-

Incompleta

95

11,8%

cT3 N-

ypN-

Completa

16

6,2%



Referências:

  • Recht A, et al. Postmastectomy radiotherapy: guidelines of the American Society of Clinical Oncology. J Clin Oncol 2001;19(5):1539–69.
  • Early Breast Cancer Trialists’ Collaborative Group. Effect of radiotherapy after mastectomy and axillary surgery on 10-year recurrence and 20-year breast cancer mortality: meta-analysis of individual patient data for 8135 women in 22 randomized trials. Lancet 2014;383:2127–35.
  • Recht A, et al. Postmastectomy radiotherapy: an American Society of Clinical Oncology, American Society for Radiation Oncology and Society of Surgical Oncology focused guideline update. J Clin Oncol 2016;34(36):4431–42.
  • McGuirre SE, et al. Postmastectomy radiation improve the outcome of patients with locally advanced breast cancer who achieve a pathologic complete response to neoadjuvant chemotherapy. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2007;68(4):1004-9.
  • Le Scodan R, et al. Radiotherapy for stage II and stage III breast cancer patients with negative lymph nodes after preoperative chemotherapy and mastectomy. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2012;82(1):e1-e7.
  • Mamounas EP, et al. Predictors of locoregional recurrence after neoadjuvant chemotherapy: results from combined analysis of National Surgical Adjuvant Breast and bowel project B-18 and B-27. J Clin Oncol 2012;30(32):3960–6.
  • Haffty BG, et al. Impact of radiation on locoregional control in women with node-positive breast cancer treated with neoadjuvant chemotherapy and axillary lymph node dissection: results from ACOSOG Z1071 clinical trial. Int J Radiat Oncol Biol Phys 2019;105(1):174-82.
  • Fisher B, et al. Twenty-five-year follow-up of a randomized trial comparing radical mastectomy, total mastectomy, and total mastectomy followed by irradiation. N Engl J Med 2002;347(8):567-75.
  • Louis-Sylvestre, C. et al. Axillary treatment in conservative management of operable breast cancer: dissection or radiotherapy? Results of a randomized study with 15 years of follow-up. J Clin Oncol 2004;22 (1):97–101.
  • Donker, M. et al. Radiotherapy or surgery of the axilla after a positive sentinel node in breast cancer (EORTC 10981-22023 AMAROS): a randomised, multicentre, open-label, phase 3 non-inferiority trial. Lancet Oncol 2014; 15: 1303–10.
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