A psico-oncologista Cristiane Bergerot (foto) é primeira autora de editorial publicado no JCO Oncology Practice que discute a importância do foco centrado no paciente na tomada de decisões clínicas nos cuidados de fim de vida. “A comunicação clara com foco nos objetivos dos pacientes deve continuar sendo um fator-chave para uma assistência de qualidade, excluindo tratamentos desnecessários no fim de vida”, sustentam os autores.
O editorial destaca que as diretrizes de qualidade para cuidados de fim de vida (do inglês, EOL – end of life) em oncologia devem ser consideradas um componente crítico no tratamento oncológico de qualidade1; com foco inicial em fornecer cuidados paliativos precoces, uma vez que estudos demonstraram que a quimioterapia paliativa no fim de vida não prolonga a sobrevida e piora a qualidade de vida.1-4
No início dos anos 2000, os indicadores de qualidade do atendimento de fim de vida foram definidos, incluindo administração de terapia sistêmica, internação hospitalar, internação em UTI, > 1 visita ao pronto-socorro nos últimos 30 dias de vida, morte hospitalar e início de cuidados paliativos nos últimos 30 dias de vida.5-8 Em 2015, outra medida de qualidade - quimioterapia recebida nos últimos 14 dias de vida - foi proposta pela ASCO e pelo Fórum Nacional de Qualidade.9,10
“Atualmente, os tratamentos oncológicos contam com novos agentes anticancerígenos orais (OAAs), incluindo antiangiogênicos e tratamento oral direcionado, cuja utilidade no fim de vida ainda precisa ser explorada”, 11,12 observa a publicação, que tem como coautores os médicos Sandy Liu e Sumanta K. Pal.
Análise retrospectiva
Para entender melhor esse fenômeno no contexto do carcinoma de células renais (RCC), um estudo recente publicado na JCO Oncology Practice empregou uma análise de dados retrospectiva usando o Cancer Information Population Health Resource da University of North Carolina (CIPHR) e o banco de dados SEER Medicare para determinar o cuidado no fim de vida e uso de terapia sistêmica entre pacientes com carcinoma de células renais metastático recebendo agentes anticancerígenos orais.13
Nesse trabalho, Dzimitrowicz e colegas observaram que quase metade dos quase 2 mil pacientes avaliados receberam OAA no período entre o diagnóstico metastático e 30 dias antes da morte. Da amostra de pacientes que não receberam OAA, 16% dos pacientes receberam terapias sistêmicas, incluindo terapia-alvo /imunoterapia (8%), terapias citotóxicas (7%) e citocinas (1%).
Bergerot e colegas observam que embora este estudo forneça informações importantes sobre os cuidados de fim de vida dessa população de pacientes, o período de tempo durante o qual os dados foram coletados deve ser considerado (CIPHR 2004-2015 e SEER 2007-2015). Apenas em 2012 as diretrizes de qualidade foram introduzidas.9 “Três anos depois, a ASCO incorporou essas diretrizes e em 2017 publicou as diretrizes da ASCO de cuidados paliativos10,14”, ressaltam. “Houve uma evolução marcante no tratamento do carcinoma de células renais metastático.13 Os OAAs incluídos nesta avaliação (sunitinibe, sorafenibe, axitinibe, everolimus e pazopanibe) representam apenas cinco de mais de uma dúzia de terapias aprovadas para esta doença15”, acrescentam.
Outro aspecto apontado pelo editorial é que a caracterização das terapias sistêmicas não está clara – os autores parecem designar os agentes anticancerígenos orais e as terapias direcionadas como categorias separadas, quando, em princípio, elas se sobrepõem. Além disso, algumas das terapias sistêmicas identificadas no banco de dados parecem estar super-representadas.
“Apesar das limitações, os achados do trabalho de Dzimitrowicz e colegas destacam a necessidade de manter um foco centrado no paciente durante a tomada de decisão clínica. É importante observar que entre 10% e 17% dos pacientes alcançarão uma resposta completa com novas combinações de terapias-alvo/imunoterapia15”, ressalta o editorial.
“Pouco se sabe sobre as preferências do paciente no final de vida nesta nova era de tratamento. No entanto, sabemos que uma grande proporção de pacientes terá expectativas imprecisas de cura e que os efeitos colaterais do tratamento influenciarão suas preferências.16,17 Os médicos têm o desafio de encontrar um equilíbrio entre as expectativas de seus pacientes e uma comunicação clara sobre o prognóstico”, concluem os autores da publicação.
Referências:
Bergerot CD, Liu S, Pal SK. End-of-Life Care Among Patients With Metastatic Renal Cell Carcinoma: Importance of a Patient-Centric Focus in Clinical Decision Making. JCO Oncol Pract. 2023 Jan 11:OP2200732. doi: 10.1200/OP.22.00732. Epub ahead of print. PMID: 36630667.
1 - Temel JS, Greer JA, Muzikansky A, et al: Early palliative care for patients with metastatic non-small-cell lung cancer. N Engl J Med 363:733-742, 2010
2 - McPherson JP, Patel SB, Igumnova E, et al: Real-time assessment of resource utilization and subsequent cost analysis in cancer patients (pts) near the end of life (EOL). J Clin Oncol 36:303, 2018 (30_suppl)
3 - Starr LT, Ulrich CM, Corey KL, et al: Associations among end-of-life discussions, health-care utilization, and costs in persons with advanced cancer: A systematic review. Am J Hosp Palliat Care 36:913-926, 2019
4 - Prigerson HG, Bao Y, Shah MA, et al: Chemotherapy use, performance status, and quality of life at the end of life. JAMA Oncol 1:778-784, 2015
5 - Earle CC, Park ER, Lai B, et al: Identifying potential indicators of the quality of end-of-life cancer care from administrative data. J Clin Oncol 21:1133-1138, 2003
6 - Earle CC, Neville BA, Landrum MB, et al: Evaluating claims-based indicators of the intensity of end-of-life cancer care. Int J Qual Health Care 17:505-509, 2005
7 - National Quality Forum. Driving Measurable Health Improvement Together. Palliative Care and End-of-life Care. https://www.qualityforum.org/topics/palliative_care_and_end-of-life_care.aspx
8 - Morden NE, Chang CH, Jacobson JO, et al: End-of-life care for Medicare beneficiaries with cancer is highly intensive overall and varies widely. Health Aff 31:786-796, 2012
9 - National Quality Forum: Driving Measurable Health Improvement Together: NQF Endorses Cancer Measures. https://www.qualityforum.org/News_And_Resources/Press_Releases/2012/NQF_Endorses_Cancer_Measures.aspx
10 - Smith TJ, Temin S, Alesi ER, et al: American Society of Clinical Oncology provisional clinical opinion: The integration of palliative care into standard oncology care. J Clin Oncol 308:880-887, 2012
11 - Canavan ME, Wang X, Ascha MS, et al: Systemic anticancer therapy at the end of life: Changes in usage pattern in the immunotherapy era. JAMA Oncol 8:1847-1849, 2022
12 - Riaz F, Gan G, Li F, et al: Adoption of immune checkpoint inhibitors and patterns of care at the end of life. JCO Oncol Pract 16:e1355-e1370, 2020
13 - Dzimitrowicz HE, Wilson LE, Jackson BE, et al: End-of-life care for patients with metastatic renal cell carcinoma in the era of oral anticancer therapy. JCO Oncol Pract 10.1200/OP.22.00401 [epub ahead of print on November 22, 2022]
14 - Ferrell BR, Temel JS, Temin S, et al: Integration of palliative care into standard oncology care: American Society of Clinical Oncology clinical practice guideline update. J Clin Oncol 35:96-112, 2017
15 - Govindarajan A, Castro DV, Zengin ZB, et al: Front-line therapy for metastatic renal cell carcinoma: A perspective on the current algorithm and future directions. Cancers (Basel) 14:2049, 2022
16 - Bergerot CD, Bergerot PG, Philip EJ, et al: Perception of cure among patients with metastatic genitourinary cancer initiating immunotherapy. J Immunother Cancer 7:71, 2019
17 - Escudier B, Porta C, Bono P, et al: Randomized, controlled, double-blind, cross-over trial assessing treatment preference for pazopanib versus sunitinib in patients with metastatic renal cell carcinoma: PISCES study. J Clin Oncol 32:1412-1418, 2014