Qual é o regime de tratamento neoadjuvante ideal para pacientes com câncer de pâncreas boderline ressecável? Estudo de Katz e colegas do MD Anderson Cancer Center publicado no JAMA Oncology demonstrou que a quimioterapia combinada com FOLFIRINOX modificado (mFOLFIRINOX) neoadjuvante aumentou a sobrevida em relação aos dados históricos, com taxa de sobrevida global favorável em comparação com mFOLFIRINOX mais radioterapia hipofracionada nessa população de pacientes. O cirurgião oncológico Felipe Coimbra (foto), diretor do Departamento de Cirurgia Abdominal do A.C.Camargo Cancer Center, analisa os resultados.
As atuais diretrizes endossam o tratamento com terapia neoadjuvante para adenocarcinoma ductal pancreático (PDAC) limítrofe para ressecção, mas a estratégia ideal permanece incerta. O ensaio clínico prospectivo, multicêntrico, randomizado, de fase 2 Alliance A021501 buscou comparar o tratamento com FOLFIRINOX modificado neoadjuvante (mFOLFIRINOX) com ou sem radioterapia hipofracionada com dados históricos e estabelecer padrões para terapia em PDAC de ressecabilidade limítrofe.
Realizado entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2019 entre instituições membros dos grupos cooperativos da National Clinical Trials Network, o trabalho usou medidas padronizadas de controle de qualidade e incluiu 126 pacientes, dos quais 70 (55,6%) foram randomizados para o braço 1 (terapia sistêmica; 54 randomizados, 16 após o fechamento do braço 2 na análise interina) e 56 (44,4%) no braço 2 (terapia sistêmica e radioterapia hipofracionada sequencial; todos randomizados antes do fechamento). Os dados foram analisados pelo Alliance Statistics and Data Management Center durante setembro de 2021.
Os pacientes no braço 1 receberam 8 ciclos de tratamento de mFOLFIRINOX (oxaliplatina, 85 mg/m2; irinotecano, 180 mg/m2; leucovorina, 400 mg/m2; e fluorouracil infusional, 2400 mg/m2) durante 46 horas, administrado a cada 2 semanas. No braço 2, os pacientes foram tratados com 7 ciclos de tratamento de mFOLFIRINOX seguido de radioterapia estereotáxica corporal (33-40 Gy em 5 frações) ou radioterapia hipofracionada guiada por imagem (25 Gy em 5 frações). Pacientes sem progressão da doença foram submetidos à pancreatectomia, que foi seguida por 4 ciclos de tratamento com FOLFOX6 pós-operatório (oxaliplatina, 85 mg/m2; leucovorina, 400 mg/m2; bolus fluorouracil, 400 mg/m2; e fluorouracil infusional, 2400 mg/m2 acima 46 horas).
Resultados
Dos 126 pacientes, 62 (49%) eram mulheres, com mediana de idade (variação) de 64 (37-83) anos. Entre os primeiros 30 pacientes avaliáveis inscritos em cada braço, 17 pacientes no braço 1 (57%) e 10 pacientes no braço 2 (33%) foram submetidos à ressecção R0, levando ao fechamento do braço 2, mas continuando até a inclusão completa no braço 1.
Os pacientes que receberam FOLFIRINOX modificado neoadjuvante tiveram uma taxa de sobrevida global (SG) em 18 meses de 66,7% (95% CI, 56,1%-79,4%), excedendo tanto a taxa de controle histórico pré-selecionada de 50% quanto a taxa de SG de 47,3% (95% CI 35,8%-62,5%) em pacientes que receberam FOLFIRINOX seguido de radioterapia. A SG mediana dos pacientes avaliáveis que receberam FOLFIRINOX neoadjuvante sozinho foi de 29,8 meses (95% CI, 21,1-36,6); em pacientes que também receberam radioterapia, a SG mediana foi de 17,1 meses (95% CI, 12,8-24,4).
"Este ensaio clínico randomizado demonstrou que o tratamento com mFOLFIRINOX neoadjuvante isolado foi associado a sobrevida global favorável em pacientes com adenocarcinoma ductal pancreático limítrofe ressecável em comparação com o tratamento com mFOLFIRINOX mais radioterapia hipofracionada, estabelecendo mFOLFIRINOX como um regime de referência neste cenário", destacam os autores, ressaltando que o estudo não foi desenhado para comparar diretamente quimioterapia com quimioterapia e radioterapia no cenário neoadjuvante. "O papel da radioterapia neste cenário permanece indefinido. Futuras investigações são necessárias para determinar se certos pacientes podem se beneficiar da radiação neoadjuvante e esclarecer essa população de pacientes", acrescentam.
O cirurgião oncológico Felipe Coimbra observa que diversas evidências, em múltiplos trials, sustentam a administração de terapia neoadjuvante a pacientes com PDAC ressecável limítrofe (boderline). “Por exemplo, o estudo fase 2 ESPAC 5F randomizou 90 pacientes com PDAC boderline para serem submetidos a pancreatectomia upfront ou receber tratamento com gencitabina e capecitabina, FOLFIRINOX ou quimiorradiação baseada em capecitabina antes da cirurgia. Em 1 ano, 77% dos pacientes que receberam terapia pré-operatória ainda estavam vivos, em comparação com 42% dos pacientes submetidos à cirurgia de novo”, afirma. Outro estudo aponta por Coimbra é o PREOPANC-1, que randomizou pacientes com PDAC ressecável ou limítrofe para ressecção para serem submetidos à pancreatectomia ou receber quimiorradiação à base de gencitabina antes da cirurgia. “Na análise primária, nenhuma diferença foi observada na sobrevida global (SG) entre os 2 braços de tratamento (14,3 vs 16 meses, respectivamente). No entanto, o acompanhamento a longo prazo mostrou uma vantagem de SG associada à terapia pré-operatória”, esclarece.
“No contexto desses e de outros ensaios de terapia neoadjuvante para PDAC, é notório a SG mediana de aproximadamente 30 meses para pacientes com tumores limítrofes para ressecção tratados com 4 meses de mFOLFIRINOX pré-operatório no presente estudo. Em outro estudo semelhante da National Clinical Trials Network com pacientes de PDAC ressecável, SWOG Trial S1505, aqueles tratados com 3 meses de mFOLFIRINOX pré e pós-operatório tiveram um SG mediana de 23,2 meses, embora alguns questionem se a diferença entre esses 2 ensaios se deve a um período mais longo de quimioterapia sistêmica pré-operatória. Estudos adicionais ainda são necessários para determinar a duração ideal do tratamento para pacientes com PDAC ressecável limítrofe”, avalia.
Para Coimbra, outro ponto de questionamento é a técnica hipofracionada da radioterapia, ao invés da técnica com fracionamento tradicional, e o uso da radioterapia em diferentes subgrupos de tumores boderline. “Um exemplo são os casos de maior contato arterial pelo tumor, onde espera-se uma melhor "esterilização" de margens nesses vasos com o uso de radioterapia, uma vez que em muitos casos as ressecções arteriais podem trazer maior morbi-mortalidade ao procedimento, sendo assim utilizada técnica de "shaving" arterial, com uma dissecção fina ao longo das artérias, porém com preservação destas caso não haja invasão verdadeira”, conclui.
O estudo foi financiado pela Alliance for Clinical Trials in Oncology, parte da National Clinical Trials Network (NCTN), patrocinada pelo National Cancer Institute (NCI) e serve como base de pesquisa para o NCI Community Research Oncology Program (NCORP).
O trabalho está registrado em ClinicalTrials.gov, NCT02839343