O uso de testes de painel multigênico quase duplicou a identificação de variantes germinativas patogênicas/provavelmente patogênicas em genes de predisposição clinicamente acionáveis em pacientes com câncer de mama. “No Brasil, atenção especial deve ser dada às variantes TP53 patogênicas/provavelmente patogênicas”, ressaltam os autores. Rodrigo Guindalini (foto), oncologista e oncogeneticista da Oncologia D’Or, é o primeiro autor do trabalho, publicado na Scientific Reports, periódico do grupo Nature, em acesso aberto.
A diversidade genética de variantes germinativas em genes de predisposição ao câncer de mama é inexplorada em populações miscigenadas, como as que vivem na América Latina. Nesse estudo, os pesquisadores avaliaram 1.663 pacientes brasileiros com câncer de mama, submetidos a testes de painel multigênico hereditário (20–38 genes de suscetibilidade ao câncer) para determinar o espectro e a prevalência de variantes patogênicas/provavelmente patogênicas (P/LP) e variantes de significado incerto (VUS).
Associações entre variantes P/LP e risco de câncer de mama foram estimadas em uma análise caso-controle de pacientes com câncer de mama e 18.919 controles de referência (RC) brasileiros. No total, 335 (20,1%) participantes carregavam variantes germinativas P/LP: 167 (10,0%) em BRCA1/2, 122 (7,3%) em genes de câncer de mama não BRCA acionáveis e 47 (2,8%) em genes candidatos ou outros genes de predisposição ao câncer.
No geral, 354 variantes distintas de P/LP foram identificadas em 23 genes. Os genes mais frequentemente mutados foram: BRCA1 (27,4%), BRCA2 (20,3%), TP53 (10,5%), MUTYH monoalélico (9,9%), ATM (8,8%), CHEK2 (6,2%) e PALB2 (5,1%).
A variante brasileira TP53 R337H (c.1010G>A, p.Arg337His), detectada em 1,6% dos pacientes com câncer de mama e 0,1% dos controles de referência, foi fortemente associada ao risco de câncer de mama, OR = 17,4 (IC 95%: 9,4–32,1; p < 0,0001). Variantes monoalélicas de MUTYH c.1187G>A e c.536A>G, detectadas em 1,2% (0,9% RC) e 0,8% (0,4% RC) dos pacientes, respectivamente, não foram associadas ao risco de câncer de mama, a primeira com OR = 1,4 (IC 95%: 0,8–2,4; p = 0,29) e a última com OR = 1,9 (IC 95%: 0,9–3,9; p = 0,09). A taxa geral de variantes de significado incerto foi de 46,1% para toda a população de pacientes.
Em conclusão, a maior coorte nacional de pacientes brasileiros com câncer de mama submetidos a testes de painel multigênico identificou que os genes BRCA1/2 foram responsáveis por quase 50% de todas as variantes germinativas P/LP. “O uso de um teste de painel multigênico quase dobrou a identificação de variantes germinativas P/LP em genes de predisposição ao câncer de mama diferentes do BRCA1/2, bem como aumentou em 12 vezes a chance de encontrar uma variante de significado incerto. Em geral, o espectro e as frequências das variantes germinativas em genes não-BRCA1/2 espelharam os descritos na literatura, exceto variantes TP53”, observam os autores.
Os pesquisadores ressaltam que na coorte avaliada, o terceiro gene mais frequentemente mutado foi o TP53 devido ao elevado número de portadores de TP53 R337H na região Sul e Sudeste do Brasil. “Como consequência, a alta prevalência dessa variante TP53 tem um impacto significativo nas estratégias de rastreamento e redução de risco no Brasil”, destacam.
Segundo Guindalini, é importante destacar que o uso de painel multigênico para identificar pacientes brasileiras com câncer de mama hereditário possui pontos positivos e negativos. “A pesquisa de outros genes além de BRCA1/2 que também estão associados à predisposição a câncer de mama praticamente duplica a identificação de pacientes com variantes clinicamente significante. Estes achados podem abrir uma janela de oportunidade para tratamentos mais personalizados, assim como estratégias de rastreamento e prevenção que podem não somente beneficiar a paciente, mas também a sua família. Por outro lado, há um aumento muito significante de resultados indeterminados, pois há um aumento expressivo na identificação de variantes de significado incerto. Apesar de sabermos que esses resultados inconclusivos não devam ser utilizados para fundamentar decisões clínicas e cirúrgicas, há inúmeros estudos mostrando o aumento de cirurgias profiláticas realizadas inadequadamente para este grupo. Portanto, recomendo sempre alertar as pacientes no aconselhamento pré-teste sobre a possibilidade da identificação de uma variante de significado incerto e deixar claro que não iremos utilizar esta informação para decisões terapêuticas. Realizar este alerta na consulta pré-teste pode diminuir a ansiedade e preocupação em relação aos achados inconclusivos e pode diminuir o uso inapropriado destes resultados”, ressalta.
Guindalini acrescenta que o estudo identificou que 2.2% das pacientes brasileiras com câncer de mama eram portadoras de variantes no gene TP53. Portanto, essas pacientes possuem síndrome de Li-Fraumeni. “Esta síndrome aumenta não somente o risco de câncer de mama, como também de inúmeros outros tipos de neoplasias como sarcomas, gliomas, leucemias, adrenal etc. O aconselhamento de pacientes com síndrome de Li-Fraumeni é complexo, pois o seguimento envolve inúmeros exames de rastreamento que devem ser iniciados desde a primeira infância, como, por exemplo, ressonância nuclear magnética de corpo inteiro. Idealmente, esses pacientes precisam ser seguidos dentro de grandes centros com experiência no manejo de pacientes de alta complexidade. Com isso, quando esses testes genéticos estiverem acessíveis no Sistema Único de Saúde iremos precisar elaborar estratégias de seguimento adequadas e acessíveis ao nosso país para pacientes com síndrome de Li-Fraumeni”, conclui.
Referência: Guindalini, R.S.C., Viana, D.V., Kitajima, J.P.F.W. et al. Detection of germline variants in Brazilian breast cancer patients using multigene panel testing. Sci Rep 12, 4190 (2022). https://doi.org/10.1038/s41598-022-07383-1