A infusão intratumoral de polio-rinovírus (PVSRIPO) em pacientes com glioma maligno recorrente de grau IV da OMS confirmou a ausência de potencial neurovirulento. A taxa de sobrevida entre os pacientes que receberam imunoterapia com PVSRIPO foi maior em 24 e 36 meses comparada aos controles históricos. Os resultados foram publicados no New England Journal of Medicine1. Caroline Chaul Barbosa, neuro-oncologista do Hospital Sírio Libanês e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP) e membro da Sociedade Latino-Americana de Neuro-Oncologia (SNOLA), comenta o trabalho.
Neste estudo, Desjardins et al buscaram determinar a dose e toxicidade da liberação intratumoral de polio-rinovírus (PVSRIPO) não patogênico. O PVSRIPO reconhece o receptor de poliovírus CD155, que é amplamente expresso em células neoplásicas de tumores sólidos e em importantes componentes do microambiente tumoral.
Foram incluídos pacientes adultos com glioma supratentorial maligno de grau IV confirmado no exame histopatológico, com doença mensurável (tumor de contraste de ≥1 cm e ≤5,5 cm na maior dimensão).
Durante um período de 5 anos, pesquisadores da Duke University trataram 61 pacientes com glioblastoma supratentorial recorrente com infusão intratumoral de PVSRIPO. Depois de um acompanhamento mediano de 27 meses, a sobrevida global entre os pacientes foi semelhante ao controle histórico, mas a partir desse período foi observado um platô na curva de sobrevida, com taxas de 21% aos 36 meses, em comparação com 4% no grupo controle.
O estudo avaliou diferentes doses, primeiro em uma fase de escalonamento e depois em uma fase de expansão. Na etapa de expansão da dose, 19% dos pacientes tiveram evento adverso de grau 3 ou superior, e um efeito tóxico limitador de dose foi observado (ClinicalTrials.gov number, NCT01491893).
Resultados instigantes
Por Caroline Chaul Barbosa
Com resultados instigantes para um estudo de fase I, o uso intratumoral do Polivirus recombinante (PVSRIPO) demonstrou ser seguro e factível. No artigo publicado, foram apresentados dados descritivos e não incluídos testes estatísticos formais.
Vale destacar que apesar da sobrevida global (SG) semelhante à da coorte histórica ao qual foi comparado, um subgrupo de pacientes apresentou SG surpreendente maior, o que gerou a curva em platô destacada.
O objetivo do estudo não foi demonstrar ganho de sobrevida global, mas os resultados abrem espaço para a geração de hipóteses importantes. As principais derivam da ideia de que o ganho de sobrevida possa estar relacionado com o grau de expressão tumoral de CD155, com a dose de PVSRIPO ministrada, com o aumento a sensibilidade aos tratamentos subsequentes ou à resposta imune desencadeada pelo vírus.
Vale a pena salientar que existiram pacientes em que a reposta ao tratamento só foi demonstrada após uma piora inicial ao exame de imagem (RNM de crânio). Esse tipo de alteração inicial a exames de imagem também já foi previamente destacado em outras neoplasias tratadas com imunoterapia, o que nos faz acreditar que a resposta imune desencadeada pelo tratamento tem papel extremamente importante nesse cenário. Além disso, também foi nessa situação em que o uso de esteroides e bevacizumabe se mostrou necessário para controle de sintomas clínicos.
O resultado apresentado nos deixa entusiasmados em relação a essa modalidade de tratamento. O vírus não só confere citotoxicidade tumoral, mas desencadeia uma resposta imune sem aparente reação adversa sistêmica limitante. No entanto, é importante ressaltar que esses pacientes apresentavam um volume de doença pequeno, algo menos comum na nossa prática clínica. É preciso aguardar dados sobre eficácia, na esperança de que a resposta apresentada não tenha sido mero acaso.
Referência: Recurrent Glioblastoma Treated with Recombinant Poliovirus - Annick Desjardins et al - July 12, 2018 - N Engl J Med 2018; 379:150-161 - DOI: 10.1056/NEJMoa1716435