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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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O peso da obesidade

OBESIDADE_NET_OK.jpgExcesso de gordura corporal eleva níveis de hormônios como insulina, leptina, estrogênio e fatores de crescimento que estimulam a proliferação celular e inibem a apoptose. Índice de massa corporal (IMC) elevado aumenta o risco para o desenvolvimento dos dez tipos de câncer mais incidentes.

Moura Leite Netto

A obesidade é reconhecidamente fator de risco para alguns dos mais prevalentes tipos de câncer, o que faz reverberar o alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS): em 10 anos o Brasil pode ter 75 milhões de crianças obesas e engrossar os números do inquérito realizado em 2014 pelo Ministério da Saúde, que revelou que 52,5% dos brasileiros estão acima do peso e 17,9% da população do país está obesa. Em 2006, quando a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) iniciou a pesquisa, a proporção era de 42,6% e 11,8%, respectivamente.
 
São preocupações de sobra em meio a um corpo de evidências cada vez mais robusto em favor da prevenção. Estudos apontam um risco aumentado de câncer em adultos que foram obesos na infância ou adolescência. Trabalho de pesquisadores de Harvard realizado com mais de 230 mil suecos (doi:10.1136/gutjnl-2014-309007) mostrou que a obesidade na adolescência influencia o processo inflamatório que desencadeia o câncer colorretal.
 
A associação entre o índice de massa corpórea (IMC) e câncer também foi objeto do estudo britânico que envolveu 5 milhões de pessoas com mais de 16 anos, sem história da doença. Publicado no Lancet, em 2014, o trabalho identificou que o IMC elevado foi associado a 17 de 22 tipos de câncer, entre eles os 10 tipos mais incidentes. A cada 5 kg/m2 de aumento no IMC o risco aumenta de forma linear para câncer de útero [HR] 1·62, 99% CI 1·56–1·69; p<0·0001), vesícula biliar (1·31 , 1·12-1·52; p <0·0001), rim (1·25, 1·17-1·33; p <0·0001), colo do útero (1·10, 1·03-1·17 ; p=0·00035), tireóide (1·09, 1 00-1··19; p=0·0088), e leucemia (1·09, 1 05-1··13; p≤0·0001). O IMC também foi positivamente associado com câncer de fígado (1·19, 1·12-1·27), cólon (1·10, 1·07-1·13), ovário (1·09, 1,04-1,14) e câncer de mama pós-menopausa (1·05, 1·03 - 1·07); (todos p <0·0001). 

Mortalidade

A obesidade também impacta o prognóstico. Resultados de um estudo de coorte com 900 mil adultos saudáveis publicados no New England Journal of Medicine mostram que os obesos apresentam maior risco de morrer em decorrência de câncer.

Metanálise de 43 estudos evidenciou aumento de 33% na mortalidade por câncer de mama em mulheres obesas em comparação com as não-obesas (doi:10.1007/s10549-010-0990-0). Outra metanálise, publicada na revista Cancer, em 2013, avaliou pacientes submetidos à quimioterapia adjuvante baseada em 5FU para tumores de cólon estadio II e III e também demonstrou uma relação significativa entre o aumento do IMC e a diminuição das taxas de sobrevida livre de progressão e sobrevida global (doi:10.1002/cncr.27938).
 
Gibson et al também corroboram as evidências, em trabalho publicado no JCO que avaliou 11 mil pacientes com tumor colorretal primário. Os autores concluem que o IMC elevado não só influencia um pior prognóstico como também aumenta a probabilidade de um segundo câncer (doi:10.1200/JCO.2014.56.8444).
 
Por sua vez, para algumas neoplasias observa-se que a obesidade é um fator que prediz melhor resposta. Publicado em junho deste ano na Critical Reviews in Oncology/Hematology, um artigo de revisão de 13 estudos com uma coorte de 8 mil pacientes com tumores de Cabeça e Pescoço os autores que em indivíduos com IMC aumentado houve aumento das taxas de sobrevida e redução das taxas de recorrência. A mesma evidência foi observada em estudo publicado também este ano na Cancer Causes Control ao se analisar a mortalidade e risco de rediviva em estudo caso-controle juntos a mais de 2 mil indivíduos residentes em Boston (959 pacientes diagnosticados com carcinoma de células escamosas e 1.208 pessoas no braço controle).
 
Reunindo mais de 50 instituições, o Latin American Renal Cancer Group, liderado pelo urologista Stênio de Cássio Zequi, aponta que IMC elevado é fator de risco para câncer de rim, mas tanto o obeso quanto o paciente muito magro apresentam sobrevida câncer específica melhor do que o paciente com níveis ideais de massa corpórea. O estudo, que segue em andamento, já coletou os dados de 4.502 pacientes, sendo que 44,6% apresentam sobrepeso e 27,3% são obesos mórbidos. “Não é sabido o que leva esses pacientes a responder melhor ao tratamento. É um dado curioso, que demanda uma maior investigação”, ressalta Zequi.
 
A caquexia também foi vista como fator relacionado com pior prognóstico, segundo pesquisa apresentada em julho no Congresso Mundial de Câncer Gastrointestinal da ESMO, na Espanha. Pesquisadores do Duke Cancer Institute concluíram que os pacientes que apresentam um IMC menor tiveram menor sobrevida global quando tratados com bevacizumabe para câncer colorretal metastático. Ao analisar o estudo, o oncologista clínico e presidente eleito da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) para o próximo biênio, Gustavo dos Santos Fernandez, ressalta que o trabalho reforça que pacientes com baixo IMC provavelmente apresentam caquexia importante, o que reflete numa menor tolerância ao tratamento sistêmico. “Além disso, a caquexia tumoral pode estar associada a tumores de comportamento biológico mais agressivo e outras comorbidades relevantes”, destaca Fernandez, que dirige a unidade em Brasília do Hospital Sírio-Libanês e é integrante do Grupo Brasileiro de Tumores Gastrointestinais (GTG). 

Prevenção

A oncologista Alice Zelmanowicz, coordenadora do Programa de Prevenção do Câncer do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, defende a importância de oferecer orientações efetivas aos pacientes sobre a manutenção do peso ideal durante o acompanhamento ambulatorial no tratamento. “Embora a obesidade seja um fator de risco conhecido para recidiva ou segundo tumor primário de mama, a intervenção efetiva não é realizada”, lamenta. 

Especialistas ressaltam a importância de uma ação preventiva logo após o nascimento. De acordo com a nutricionista do INCA, Thainá Alves Malhão, o leite materno não só protege a criança contra o sobrepeso e a obesidade como também diminui de 10% a 20% o risco de a mãe desenvolver câncer de mama. “A amamentação promove a esfoliação do tecido mamário por dentro. Assim, se houver células agredidas, são eliminadas e renovadas. A diminuição das taxas do estrogênio durante o período de aleitamento também é benéfica”, destaca.

Nos casos em que a obesidade já está instalada, a cirurgia bariátrica também é uma possível opção redutora de risco. É o que sugere estudo de Andrew G. Renehan publicado no Lancet Oncology, que encontrou diminuição de 42% no risco de incidência de câncer em mulheres. O mesmo benefício não foi observado na população masculina. “Os motivos desta diferença entre gêneros ainda precisam ser mais bem explorados. Uma possibilidade é a redução da incidência de neoplasias estrógeno dependente como câncer de mama na pós-menopausa e endométrio”, acredita o oncologista da Unicamp, Felipe Osório-Costa. 


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