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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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Daichii Sankyo

 

Pacto social

henrique_prata1.JPGVem de Barretos, no interior paulista, uma história que fala de superação e hoje serve como exemplo de excelência na atenção oncológica. Quem conta essa trajetória é o administrador Henrique Prata (foto), que desde 1989 assumiu o sonho dos pais de levar adiante as atividades de um hospital de câncer longe da capital.

{jathumbnail off}Os 16 pavilhões que dão corpo e vida ao Hospital de Câncer de Barretos trazem no nome de batismo um pouco da receita que Prata ajudou a imprimir e que tem feito o sucesso da instituição. “A sociedade nos apoia e dá demonstrações diárias de que o brasileiro é muito solidário. A receita é só essa e tem funcionado”, avisa.


Hoje, são cerca de cem mil atendimentos gratuitos por ano, com gente de toda parte, o tempo todo.  O melhor dessa história é que a receita de Barretos começar a se multiplicar e mostra que fazer bem feito faz toda a diferença.
 
ON: De Barretos para o Amazonas? O modelo do hospital de câncer de Barretos chega agora ao extremo Norte do País?
HP: Exatamente. Quase dois mil pacientes por mês vinham do Amazonas para cá em busca de tratamento. Agora, esse paciente vai ficar na sua região e ser atendido em Porto Velho mesmo. A primeira ajuda veio do Secovi, que deu o pavilhão onde funciona hoje o ambulatório do hospital. Depois, um empresário de Manaus doou um milhão e assim chega ajuda de todo lado. Essa é a segunda unidade fora de Barretos, também com foco em prevenção, tratamento e pesquisa. No começo, eram só três unidades aqui em Barretos, uma de adulto, uma de cuidados paliativos e uma geral. Aí fizemos Jales, que foi a primeira e hoje atende mil pacientes por dia, e estamos fazendo Porto Velho. O maior desafio ainda é a falta de médicos. Por falta de especialistas em determinadas áreas, por falta de um plano de carreira, por falta de incentivo de toda ordem você não consegue fixar um médico lá. Os nossos médicos também querem ter plano de carreira, ter capacitação, fazer mestrado, doutorado e pesquisa. Então, mesmo pagando o dobro do que se paga aqui, você não consegue fixar esses profissionais.
 
ON: E como vocês têm feito?
HP: Estamos inventando. Eu pego os melhores residentes R3 e R4, levo para lá com um contrato bem superior ao que eles teriam no mercado aqui no Sul. São médicos que ficam lá por um tempo e depois de uns dois anos voltam, aí levo outros. Agora, vamos investir em pesquisa como um incentivo a mais para segurar a mão de obra lá. O modelo de gestão de Barretos chama a atenção pela parte humana. Ele é um hospital diferente e ensinou que quando se faz bem feito, com amor, você tem o apoio da sociedade. A tabela SUS não cobre o custo de se fazer uma medicina de ponta. É uma tabela totalmente defasada, que não tem reajuste há sei lá quanto tempo, talvez mais de 10 anos. Você tem dificuldades para tocar um projeto como o Hospital de Câncer de Barretos, onde o médico é bem pago, tem dedicação exclusiva e pode crescer profissionalmente dentro da própria instituição, porque somos também um centro de ensino.

ON: A dedicação exclusiva faz diferença no atendimento?
HP: Claro, o médico ganha bem, tem um salário que ele não precisa correr para três, quatro empregos diferentes.  Não posso dizer que a diferença é da água para o vinho porque os médicos vão me achar pretensioso, mas a dedicação exclusiva é o modelo ideal em câncer, não dá para ser de outra forma.  Todas as instituições sérias que eu visitei nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Alemanha, no Canadá, todas elas têm essa fórmula. Em câncer, o médico tem que ter tempo para o estudo e a pesquisa para poder tomar uma decisão consistente. A grande qualidade da humanização do hospital vem de muitas cabeças dedicadas ao paciente, decidindo em conjunto. É assim onde a

"O modelo de gestão de Barretos chama a atenção pela parte humana.

medicina é séria e não dá para fazer medicina em câncer se não for assim. No Saint Jude, com quem temos parceria, os médicos assinam a responsabilidade pelo paciente durante 24 horas. Se tiver uma intercorrência às 10 horas da noite, toda a equipe envolvida com aquela patologia vai estar ali. A decisão não fica na mão do plantonista, nem do intensivista, porque toda aquela equipe está ali, como tem que ser. Essa é a receita do hospital com o maior índice de cura do mundo, em Memphis, nos Estados Unidos. Nós temos referências como essas. Sabemos que a diferença de todo um processo de gestão é a humanização e o comprometimento.  

ON: Isso custa dinheiro. Barretos é um hospital do SUS que vive mesmo é da filantropia?
HP: O hospital tem uma boa parceria com o sistema SUS, mas não é sustentado só pelo SUS. Tem uma grande parceria com o governo do Estado, que complementa R$ 3,5 milhões de um déficit que alcança hoje R$ 10 milhões por mês. O resto a gente corre atrás. Não tem como você contar só com o governo. A sociedade tem que enxergar que não há governo sozinho que sustente isso. Eu critico o governo quando tenho que criticar, mas também é preciso reconhecer a importância desse pacto social. A sociedade também tem que fazer a sua parte, é preciso envolver a sociedade e  é isso o que fazemos. Aqui em Barretos, esse é um modelo que já adotamos há 25 anos e também faz parte da proposta da descentralização. O boca a boca fez muita gente chegar até aqui. Rondônia, por exemplo, só tinha quatro leitos e os doentes imigravam para São Paulo. Cuiabá consegue atender perto de 35% da demanda, o resto da população também imigra para se tratar aqui. Como estamos muito perto da fronteira e o nosso serviço é 100% SUS e humanizado, o boca a boca cresceu e ficou desse tamanho. Foi por isso que eu me sensibilizei a levar o serviço até Porto Velho, porque é uma judiação ver que mais de 2 mil pacientes por mês vêm de lá para se tratar em Barretos. É uma luta desigual, desumana até.

ON: Mas tem gente que torce a cara com esse modelo, com o argumento de que Barretos atende pacientes de outros estados e São Paulo paga a conta  
HP: Meu pai criou essa instituição com a consciência de amar ao próximo como a si mesmo. Isso é fazer o melhor para as pessoas, numa consciência Cristã que não tem nada a ver com política, com governo, com nada disso. Eu trabalho aqui com a mesma concepção de fé para atender essas pessoas em um país pobre e profundamente injusto. Você sai de São Paulo em um raio de 3 ou 4 mil quilômetros de distância em direção ao Norte do país e não tem nada para o tratamento do câncer. No meio do caminho, não tem nada mais perto. E aí, como é que faz esse cidadão? Ele precisa se tratar, aí ele imigra e vem embora para São Paulo. Hoje, 35% do nosso atendimento vêm de fora. Diminuiu um pouco agora porque levamos assistência até Rondônia. Essa crítica nós não entendemos. A Constituição dá direito de qualquer pessoa ser encaminhada para onde quiser. Se ela está com a carteira de identidade do Brasil, a Constituição dá esse direito. Então, não tem motivo para se criticar. Isso vem de pessoas egoístas que estão interpretando dessa forma. A pessoa fica sem tratamento porque no lugar não tem opção ou ela vai para São Paulo? Isso é um direito do cidadão. Eu não acho injusto porque é São Paulo que paga a conta, o que eu acho injusto é esse indivíduo doente ter que andar 3 mil quilômetros para se tratar. Então, aquela pessoa que criticar, ela no mínimo é desumana, irresponsável e não conhece a Constituição do Brasil. Essa é uma guerra fiscal que não nos compete como cidadãos. Nós somos uma instituição de saúde e temos o direito de atender os doentes. Para nós, todo brasileiro tem direito igual. Se você vai no Governo Federal, você ouve que compensa, mas se você vai no governo do Estado, vão dizer que não compensa, que o governo federal não faz os repasses, que isso e aquilo. Não entro nessa briga fiscal. Vamos descentralizar porque isso é importante para os doentes, nem ligo para essas críticas.

ON: E o modelo das unidades de prevenção, isso também vai ser expandido?
HP: Isso vem como parte dessa política de descentralizar o hospital para atender regiões que demandam a assistência de Barretos. Hoje são seis unidades de prevenção, com a proposta de divulgar a importância do diagnóstico precoce do câncer de mama através de um programa organizado de rastreamento. Além de Barretos, temos Fernandópolis, Campo Grande, Nova Andradina, Porto Velho e Juazeiro. É um trabalho que conta com a carreta da prevenção e com um centro de apoio. Cada uma dessas seis unidades têm um centro de referência, que recebe todas as dúvidas que a carreta identificou no percurso. Cada carreta atende uma população de 500 até 700 mil habitantes em um determinado raio de abrangência. Barretos, por exemplo, tem 20 municípios da região rastreados por uma carreta. Isso vem desde 2006. Temos mais de 400 municípios hoje rastreados por esse projeto nosso de screening de mama, que busca uma população-alvo de 40 a 69 anos. Na média, no Estado de São Paulo temos 86% de busca ativa nessa população de mulheres. É uma cobertura muito alta, coisa de primeiro mundo. Recebemos um prêmio mundial da Avon em 2011 como o melhor projeto de screening de mama, em quase 60 países, entre mais de 360 projetos avaliados. E o que começou com mama, hoje é um programa de prevenção também do câncer de colo de útero. Para a saúde do homem, temos também embriões de um programa para o rastreamento do câncer de próstata a partir dos 45 anos, em regiões com maior demanda de pacientes.

ON: Qual a receita desse modelo de sucesso?
HP: Primeiro ser temente a Deus e não ao dinheiro, porque a medicina peca quando discrimina o melhor tratamento para quem tem dinheiro e se conforma em dar o pior tratamento para quem não tem. Esse é o primeiro ponto. O segundo é fazer bem feito e com honestidade. Como você vai cobrar o apoio das pessoas se você não tem moral para pedir? A nossa instituição tem esse respaldo porque tem uma gestão feita com honestidade. A sociedade nos apoia e dá demonstrações diárias de que o brasileiro é muito solidário. A receita é só essa e tem funcionado.
 

Perfil

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Henrique Prata
Diretor-geral do Hospital de Câncer de Barretos

 
Henrique Prata, 61 anos, é um empreendedor nato. Aos 15 anos já administrava a fazenda de seu avô. Aos 33 anos recebeu a tarefa de administrar um antigo hospital que estava prestes a fechar as portas por falta de recursos. Em pouco mais de 20 anos, transformou o Hospital de Câncer de Barretos em um dos maiores centros de tratamento oncológico do Brasil. A instituição realiza gratuitamente 4.100 atendimentos por dia para pacientes de todas as partes do país, conta com mais de 3 mil funcionários e 280 médicos que trabalham em regime de dedicação exclusiva.


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