Ruffo de Freitas Júnior é presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia (SMB) e forte defensor da oncoplástica, técnica de reconstrução que apesar do amparo legal beneficia menos de 10% das mulheres mastectomizadas para o tratamento do câncer de mama no Brasil. Em entrevista exclusiva ao Onconews, ele fala dos avanços e desafios da oncoplástica brasileira, reforça a necessidade de investir na formação de especialistas e deixa um recado sonoro para a comunidade médica. “Asegurança oncológica deve estar alinhada ao resultado estético para promover melhor qualidade de vida para essas mulheres”, avisa.
Onconews - Dr. Ruffo, o senhor é um dos principais idealizadores do encontro de Oncoplastia, que já ocupa um lugar importante na agenda científica. Qual a proposta dessa iniciativa?
Ruffo de Freitas Jr. - A Sociedade Brasileira de Mastologia decidiu promover um encontro nacional, com a participação de especialistas reconhecidos, com o objetivo de ajudar na formação de uma nova cultura médica, mais atenta às técnicas e à importância da oncoplástica. Sabemos que apenas de 5% a 6% das mulheres brasileiras têm reconstrução imediata depois de uma mastectomia por câncer de mama e uma parcela também muito pequena, menos de 10%, têm uma remodelação adequada da mama, o que significa que a imensa maioria das mulheres mastectomizadas permanece com assimetrias e defeitos estéticos importantes. Isso ajuda a dimensionar o tamanho do nosso desafio. A resposta da Sociedade Brasileira de Mastologia é a educação continuada, hoje a chave para um casamento perfeito entre os mastologistas, que demandam conhecimento sobre a reconstrução mamária e a educação médica continuada, e na outra ponta as pacientes, mulheres com câncer de mama que necessitam de reconstrução. Esse casamento é o nosso grande objetivo hoje.
ON - E esse esforço de educação continuada, ele tem ênfase nos profissionais que já atuam na clínica ou considera também os futuros médicos, de olho nos estudantes de graduação?
RFJ - Na verdade, as ligas de mama ou ligas de mastologia são uma realidade no Brasil e esse esforço de difundir a cultura da oncoplastia começa desde a academia. Claro que nem todos os estudantes de graduação médica vão seguir carreira na mastologia, mas além da ênfase no rastreamento do câncer de mama e do diagnóstico precoce, esses estudantes começam a despertar também para a importância da oncoplástica, que é sempre um conhecimento muito relevante. O grande recado é que o tratamento do câncer de mama deve andar ao lado da reconstrução.
ON - E isso tem impacto no tratamento?
RFJ - Quando nós pensamos no tratamento dessa mulher, temos que pensar na segurança oncológica, na estética e no bem-estar dessa paciente. Se hoje conseguimos aumentar significativamente as taxas de cura e de sobrevida, não dá para relegar a um segundo plano o resultado estético. Isso está ligado à qualidade de vida dessas mulheres e o nosso papel é auxiliá-las também na busca de um resultado estético satisfatório. Minha mãe foi mastectomizada há mais de 40 anos pelo Professor Pinotti e ainda não tem uma mama. É inegável a dificuldade com o espelho. Então, essa contra-corrente, de mostrar que não basta tratar e curar o câncer, mas garantir a integralidade desse cuidado, implica obrigatoriamente difundir a importância da reconstrução da mama. Hoje, cada vez mais a medicina valoriza a qualidade de vida e o bem-estar dos sobreviventes de câncer. Passado todo esse tsunami que é o câncer e pelo seu tratamento, essa paciente tem e merece esse direito.
ON – E como anda a nossa curva de aprendizagem?
RFJ - Ainda existe uma necessidade de formação mais intensa dos nossos profissionais. A Sociedade Brasileira de Mastologia identificou essa lacuna mesmo entre os egressos dos cursos de Residência que realizaram recentemente a prova de títulos. Nessa amostra, tivemos a oportunidade de evidenciar que 20% desses programas de residência médica ainda oferecem muito pouco ou quase nada de formação em oncoplástica. A SBM vai se empenhar na busca de soluções junto a essas residências e, já estamos trabalhando nessa direção. Por outro lado, os médicos que tiveram a possibilidade de desenvolver as técnicas da oncoplástica em um treinamento contínuo nesses dois anos sentem-se plenamente seguros para oferecer às pacientes o tratamento oncológico associado com a reconstrução da mama, mesmo nos casos mais complexos, com retalhos reto-abdominal ou grande-dorsal.
Pelos números que nós observamos, quando o treinamento do médico residente é parcial, entre 25% e 30% dos profissionais não se sentem aptos a realizar a cirurgia oncoplástica e precisamos melhorar esses indicadores. Temos que ter essa massa crítica formada - e bem formada. Hoje, vejo que a Sociedade Brasileira de Mastologia vem com essa bandeira em defesa da oncoplástica.
Anos atrás, mastologistas foram buscar por meios próprios essa formação fora do país. Em seguida, tivemos o apoio valioso do Dr. Mario Rietjens, que abriu as portas do Instituto Europeu de Oncologia e permitiu a formação de novos médicos brasileiros. Com isso, temos uma segunda geração de mastologistas com bom treinamento, que hoje têm a possibilidade de influenciar as gerações futuras.
Hoje há uma comissão mista, formada pela Comissão de Oncoplástica da SBM e pela comissão de reconstrução da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, presididas respectivamente pelo Dr. Cicero Urban e pelo Dr. Alexandre Munhoz que juntos estão buscando a melhor maneira de vencer essa curva de aprendizado.
ON - Qual é exatamente o treinamento adequado?
RFJ - Estou convencido que três modelos serão importantes. O primeiro é o modelo para a residência médica. Nele, os residentes deverão ser treinados durante todo o período da residência, de forma associativa, tratar e reconstruir o que foi retirado. Um segundo modelo vem com a ideia de um curso com duração de um ou dois anos, quase como uma extensão da residência, para aqueles que querem se aprofundar de forma mais intensa na oncoplástica. A terceira possibilidade é o aprimoramento e a educação médica continuada, com cursos hands-on, incluindo a participação em modelos cirúrgicos.
ON- Hoje a oncoplástica tem respaldo até por força de lei. Qual o momento ideal para a reconstrução?
RFJ - Sem dúvida cresce o reconhecimento da importância da oncoplástica, que é respaldada no âmbito do SUS pela Lei 12.802. O momento ideal precisa ser avaliado caso a caso. Sabemos que os números dos grandes serviços, como o Institut Du Sein, do francês Krishna Clough,ícone da oncoplastia mundial, mostram que a metade das pacientes faz remodelação de imediato, junto com a tumorectomia; outras fazem em um momento posterior. Não existe um posicionamento da SBM, mas a recomendação de um diálogo aberto entre o cirurgião e sua paciente para a melhor tomada de decisão. Existeum trabalho acadêmico muito interessante da Dra. Gabriela Santos mostrando que nem sempre o resultado que o cirurgião considera como sendo muito bom é compartilhado pela paciente. Então, é preciso haver esse diálogo médico-paciente e também um diálogo multidisciplinar, que se inicia no pré-operatório, sendo muito importante avaliar se essa paciente vai requerer tratamento neoadjuvante, com químio ou endocrinoterapia, ou se o tratamento cirúrgico vem antes do tratamento sistêmico. Durante a cirurgia, o patologista também é uma peça-chave para a segurança oncológica, o que nos mostra que o tratamento do câncer de mama tem essa complexidade e todos os atores são importantes nesse processo.
ON - E o que fica de take home message?
RFJ - A grande questão é que nossa taxa de incidência cresce ano a ano, e teremos então mais mulheres diante do infortúnio de um diagnóstico de câncer de mama. Temos hoje a possibilidade de técnicas cirúrgicas acuradas para fazer o tratamento com boa segurança, com o mínimo de mutilação. Mais do que nunca é hora de se pensar nesse modelo em que a segurança oncológica está alinhada ao resultado estético para promover melhor qualidade de vida para essas mulheres. Os cirurgiões devem estar atentos, treinados e dedicados ao aperfeiçoamento.