Pesquisadores do Moffitt Cancer Center apresentaram resultados de um classificador de risco genômico (Decypher), agora testado prospectivamente em uma coorte de validação que combina homens afro-americanos (AAM) e não afro-americanos (NAAM). Quem comenta é o oncologista Carlos Dzik (foto), diretor médico da Oncologia DASA – regional São Paulo.
Embora o desempenho do classificador genômico tenha sido testado em diferentes coortes compostas principalmente de homens brancos, sua validação como um classificador de risco genômico ideal para homens afro-americanos (AAM) não foi avaliada em estudos prospectivos.
Este estudo inscreveu participantes em uma proporção de 1: 1 de AAM para NAAM com diagnóstico de câncer de próstata de risco intermediário e baixo. Pacientes em vigilância ativa eram inelegíveis. NAAM foram comparados com AAM em termos de PSA, idade, escore de Gleason da biópsia, estágio clínico e porcentagem de núcleos de biópsia positivos. As amostras de biópsia diagnóstica foram processadas em um laboratório certificado e o escore Decipher foi avaliado usando a plataforma de perfil do transcriptoma completo. O objetivo foi recrutar um total de 250 homens tratados para CP intermediário /de baixo risco ao longo de três anos. As análises estatísticas comparam o grupo de risco por raça, considerando critérios de risco do NCCN e do classificador genômico. O risco relativo de metástase foi estimado usando o modelo binomial negativo.
Resultados
A coorte final incluiu 207 casos avaliáveis (AAM = 102 e NAAM = 107) com informações genômicas para análise. O risco de metástase foi determinado com base no escore Decipher da biópsia pré-tratamento e os pacientes foram classificados como de risco intermediário baixo, favorável e desfavorável.
“Apesar de alcançar uma coorte clínica com correspondência robusta, observamos heterogeneidade genômica significativa entre AAM e NAAM entre os grupos de risco NCCN. Em uma análise comparativa, 49% dos AAM de baixo risco intermediário favorável abrigavam tumores de alto risco genômico em comparação com apenas 10% NAAM, p = 0,02. Da mesma forma, usando o classificador de risco clínico-genômico modificado(cGC), composto de pontuação de Decipher e variáveis clínicas, o AAM experimentou um desvio extremo do status de risco (diferença [δ] entre cGC e NCCN ≥ 2) em comparação com NAAM (26,8% vs 8,1%, p = 0,03). Em um modelo binomial, os AAM de risco NCCN baixo-favorável foram 3,9 vezes mais propensos a ser reclassificados como alto risco genômico para metástases à distância em comparação com NAAM (RR = 3,99, IC de 95%, 1,15 - 13,86, p = 0,02)”, descrevem os autores.
A conclusão do estudo indica que a classificação de risco clínica NCCN é um substituto inadequado da biologia tumoral e oferece estratificação de risco subótima para AAM com câncer de próstata. “A integração do classificador genômico ao padrão de tratamento melhorará a precisão na classificação de risco de doença e nas recomendações de tratamento para AAM”, propõem.
Informações do ensaio clínico: NCT02723734
Estudo destaca insuficiência dos dados clínicos na determinação prognóstica
Por Carlos Dzik, diretor medico da Oncologia DASA – Regional São Paulo
Historicamente, a avaliação prognóstica do câncer de próstata, em todos os seus estadios, se baseia principalmente em critérios clínicos que incluem, na doença localizada, a avaliação física em conjunto com parâmetros patológicos (Score de Gleason), laboratoriais (cinética de PSA, velocidade e tempo de duplicação), assim como parâmetros de imagem como avaliação de densidade de PSA medido pelo peso da próstata em gramas por ultrassonografia ou mesmo a avaliação PIRADS pela RNM. Assim, o NCCN define os riscos prognósticos que por sua vez orientam o tratamento.
Na era da Medicina de Precisão, tem surgido calculadores genômicos que cada vez mais mostram que estes parâmetros não são suficientes. O DECIPHER é um destes testes moleculares, assim chamados de Classificadores Genômicos, baseados na análise de genes e aprovado pela FDA no cancer de próstata. Trata-se de uma coleção de 22 biomarcadores relacionados à sinalização do receptor de androgênio, proliferação celular, diferenciação celular , motilidade e modulação imune.
Interessante que recentemente foi publicada uma revisão sistemática1 que examinou de forma retrospectiva 42 estudos, vários deles prospectivos, compreendendo 30.407 pacientes com cancer de próstata em diferentes cenários. Em 32 destes estudos (12.600 pacientes), o DECIPHER se mostrou independente na análise prognóstica de vários desfechos clínicos importantes. Quando lemos o estudo não há nenhuma referência de análise estratificada por raça ou grupos étnicos, embora este estudo VANDAAM seja o primeiro estudo citado nesta análise. Não há nesta revisão sistemática nenhuma informação sobre a porcentagem de pacientes afro-americanos em toda esta enorme amostra analisada. A frequência de pacientes de origem africana que participam em estudos clínicos, tanto nos Estados Unidos como na Europa, é em geral pequena, e aliás este é um tema relevante, atual e bastante contemplado nesta ASCO 2021 .
Temos agora o estudo VANDAAM relatado nesta ASCO 2021 chamando a atenção para a insuficiência dos dados clínicos na determinação prognóstica quando confrontados com DECIPHER como calculador genômico. Esta análise é muito importante porque muitos pacientes com risco baixo/intermediário são atualmente encaminhados para vigilância ativa unicamente baseados em achados clínicos. O DECIPHER mostra que a análise clinica é insuficiente na determinação deste risco prognóstico, e isso parece ser muito mais discrepante quando são avaliados afro-americanos. Este é o ponto central deste estudo em minha opinião.
Chama a atenção a enorme diferença de 49% para 10% num estudo prospectivo, de tamanho médio. Este achado sugere fortemente que esta diferença deve ser real na população maior. Este resultado tem grande impacto em nossa população brasileira, onde temos pelo menos 50% de cidadãos de alguma forma descendentes de africanos.
O desafio que se coloca imediatamente é, a partir deste estudo, a relativização de indicar vigilância ativa nesta população com doença de risco baixo/intermediário apenas a partir dos dados clínicos já citados. Por outro lado, trazer uma ferramenta de análise genômica representa grande incremento de custo no manejo destes pacientes, sobretudo em nosso país, onde a maioria desta população sofre com falta de recursos da Saúde Pública.
Talvez um estudo como este devesse ser feito no Brasil, já que a população mestiça é muito grande, muito maior do que nos EUA, e talvez uma discrepância como esta seja menor por aqui. Não sabemos. De qualquer maneira, este é um trabalho que deveria ser replicado com um número maior de pacientes para que seja realmente validado, dadas as consequências do estudo VANDAAM.
Informações do ensaio clínico: NCT02723734
Referências:
1 - A prospective validation of the genomic classifier to define high-metastasis risk in a subset of African American men with early localized prostate cancer: VanDAAM study. - Kosj Yamoah et al
2 - A Systematic Review of the Evidence for the Decipher Genomic Classifier in Prostate Cancer. - Jairath NK et al Eur Urol 2021 Mar;79(3):374-383. doi: 10.1016/j.eururo.2020.11.021.