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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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Daichii Sankyo

 

ASCO 2020

HERO: privação androgênica no câncer de próstata

marcus sadi 2020 v2 bxEstudo de Fase III (HERO) apresentado no ASCO 2020 mostrou que o tratamento com o antagonista de LHRH relugolix alcançou resultados superiores aos de leuprolida na supressão sustentada dos níveis de testosterona, com risco 54% menor de eventos cardiovasculares importantes. Os dados foram publicados na New England Journal of Medicine (NEJM), em artigo de Neal D. Shore et al. Quem comenta é o urologista Marcus Sadi (foto), Professor Adjunto e Coordenador da Área de Uro-Oncologia da Unifesp.

Neste estudo de Fase III foram inscritos pacientes com câncer de próstata avançado, randomizados 2: 1 para receber relugolix (120 mg por via oral uma vez ao dia) ou leuprolida (injeções a cada 3 meses), por 48 semanas. O endpoint primário foi a supressão de testosterona a níveis de castração (<50 ng por decilitro) até 48 semanas.

Endpoints secundários incluíram a não-inferioridade em relação aos níveis de testosterona no dia 4 e níveis de castração (<20 ng por decilitro) no dia 15. A recuperação de testosterona foi avaliada em um subgrupo de pacientes. 

Resultados

De abril de 2017 a outubro de 2018, um total de 930 pacientes foram randomizados para relugolix (N= 622) ou leuprolida (N=308), sendo 50,2% com recorrência bioquímica.

Dos homens que receberam relugolix, 96,7% mantiveram níveis de castração por 48 semanas, em comparação com 88,8% daqueles tratados com leuprolida. A diferença de 7,9 pontos percentuais (IC95%, 4,1 a 11,8) cumpriu os critérios de não-inferioridade e atestou a superioridade de relugolix (P <0,001 para superioridade). Todos os demais endpoints avaliados confirmaram a superioridade do agente experimental (P <0,001).

A parcela de pacientes com testosterona em níveis de castração no dia 4 foi de 56,0% com relugolix e de 0% com leuprolida.

No subgrupo de 184 pacientes seguidos para avaliar a recuperação de testosterona após a descontinuação da ADT, os níveis médios de testosterona 90 dias após a descontinuação do tratamento foram de 288,4 ng por decilitro no grupo relugolix e de 58,6 ng por decilitro no grupo leuprolida.

Entre todos os pacientes, a incidência de eventos cardiovasculares importantes foi de 2,9% no grupo tratado com relugolix e de 6,2% no grupo leuprolida (HR= 0,46; IC 95%, 0,24 a 0,88).

Em conclusão, neste estudo envolvendo homens com câncer de próstata avançado, o tratamento com relugolix alcançou resultados superiores aos de leuprolida na supressão sustentada dos níveis de testosterona, com risco 54% menor de eventos cardiovasculares adversos importantes. 

Estudo HERO em perspectiva

Por Marcus Sadi

A próstata é estimulada por via endócrina após o hipotálamo liberar GNRH que promove a produção de gonadotrofinas (LH e FSH). A. Vitor Schally, um polonês que emigrou para os Estados Unidos fugindo do nazismo, recebeu o prêmio Nobel em Medicina em 1977 por ter identificado em 1969 a molécula de GNRH. Esse peptídeo é composto de 10 aminoácidos (daí o nome original de decapeptídeo) e verificou-se que a troca da glicina (Gli) por outro aminoácido na posição 6 e ou a sua supressão na posição 10 promovia um peptídeo sintético com potência 10-50 vezes maior do que o hormônio original (Gli por leucina- leuprolida: LupronÔ, EligardÔ; Gli por triptofano – triptolerina: DecapeptilÔ;  Gli por serina – gosserelina: ZoladexÔ; busserelina: SuprefactÔ).

Por estímulo do LHRH, a hipófise libera LH que estimula as células de Leydig a produzir testosterona. Nos indivíduos normais esta liberação de LHRH é feita em pulsos durante todo o dia; dura cerca de 30-120 minutos, sendo em seguida rapidamente degradado, entre 2-4 minutos, pela enzima arilamidase. Por isso a droga sintética foi denominada por Schally de análogo do LHRH.

Entretanto, estudos posteriores nos anos 1970 mostraram que a administração prolongada e contínua de LHRH sintético promovia um efeito anti-fisiológico, com saturação dos receptores hipotalâmicos e hipofisários e supressão da liberação de LH e FSH após 3 a 4 semanas.

Na década de 1980 ficou demonstrado que os resultados hormonais obtidos com os análogos de LHRH eram similares àqueles da castração cirúrgica. Novas tecnologias de administração intramuscular ou subcutânea foram desenvolvidas, e passaram de injeções diárias para grânulos de depósito com duração de até 3 a 12 meses. Por ser capaz de criar um status de castração química reversível, pela facilidade de administração e por produzir um menor grau de transtorno psicológico, essas medicações tornaram-se as mais usuais no controle androgênico do câncer da próstata.

Devido a hiperprodução de testosterona que ocorre no primeiro mês de seu uso recomenda-se a associação com um bloqueador do receptor androgênico nas primeiras semanas para evitar-se um eventual risco de crescimento tumoral.

Desde o início tentou-se desenvolver antagonistas do LHRH, mas houve insucesso porque experimentalmente esses peptídeos tinham que ser dissolvidos em solventes orgânicos como propilenoglicol, impedindo seu uso clínico; e, outros peptídeos posteriores produziam uma hiper-liberação de histamina que causava edema generalizado e reações anafiláticas.

Eventualmente cetrolerix e abarelix foram testados com sucesso clínico, predominantemente em pacientes com câncer da próstata e compressão medular, e em 2008 Degalerix foi aprovado para uso clínico.

A vantagem dos antagonistas do LHRH é promover uma rápida supressão da testosterona sem que exista o pico androgênico inicial observado com o uso dos análogos. A sua principal desvantagem reside no fato de que são necessárias injeções mensais, e, até um terço dos pacientes referem algum desconforto no local da aplicação.

Uma questão antiga, e até hoje não bem esclarecida, diz respeito ao risco de desenvolvimento de eventos cardiovasculares graves ou fatais em indivíduos tratados com análogos do LHRH. Alguns estudos randomizados que compararam Degarelix com agonistas do LHRH sugerem um menor risco cardiovascular com o uso do antagonista, em especial nos pacientes com doenças cardíacas pré-existentes.

Publicado no NEJM em 29 de maio, o HERO é um estudo randomizado de Fase III, multinacional, aberto, que comparou relugolix, um novo antagonista do LHRH administrado por via oral na dose de 120 mg diariamente versus leuprolide 22.5 mg, análogo do LHRH administrado por via intramuscular a cada 3 meses.

O objetivo primário do estudo foi avaliar níveis castrados de testosterona, caracterizados como sendo inferior a 50 ng/ml desde o início do tratamento até 48 semanas de seguimento. Objetivos secundários importantes analisados foram o valor da testosterona nos dias 4 e 15, queda do  PSA > 50% no dia 15, obtenção de níveis castrados < 20 ng/ml e valores do FSH.

Os pacientes foram randomizados 2:1 - 622 para receber relugolix e 308 para leuprolide. Mais de 90% desses pacientes tinham algum fator de risco para doença cardiovascular.

Os pacientes incluídos no estudo tinham indicação de bloqueio androgênico por a) recidiva bioquímica após tratamento do tumor primário; b) câncer da próstata com metástases de novo; c) doença localmente avançada sem possibilidade de intenção curativa.

96.7% dos pacientes que receberam relugolix (95% [CI], 94.9 -  97.9) mantiveram níveis de castração durante 48 semanas comparado com 88.8% (95% CI, 84.6 - 91.8) daqueles que receberam leuprolide. No dia 4, o percentual de pacientes com níveis de testosterona abaixo de 50 ng/ml (média 38 ng/ml) foi de 56% para quem recebeu relugolix e 0% para os tratados com leuprolide.

A queda do PSA > 50% no dia 15 ocorreu em 79.4% dos casos com relugolix e 19.8 % com leuprolide (p< 0.0001). Supresssão da testosterona < 20ng/ml no dia 15 ocorreu em 78.1% no grupo com relugorix versus 1% com leuprolide. Após 6 meses, o valor do FSH foi 1.7 ui/l com o relugorix e 5.9 ui/l com leuprolide (p< 0.001).

A incidência de eventos cardiovasculares graves foi 54% menor nos pacientes que receberam relugolix. Em um subgrupo de 184 pacientes, os valores da testosterona dosada 90 dias após a suspensão do tratamento na 48ª semana foi 288.4 ng/ml para os pacientes tratados com relugolix e 58,6 ng/ml para aqueles que receberam leuprolide.

Entre os pontos fortes do estudo estão o fato de relugorix ser um antagonista oral do LHRH que promove uma queda rápida da testosterona já no 4º dia de tratamento, compatível com os efeitos fisiológicos esperados com esse tipo de medicação. Pode ser especialmente útil em pacientes com câncer da próstata com compressão neurológica e naqueles em que se pretende associar um outro tratamento sem perda de tempo. Além disso, a medicação via oral foi bem aceita nesse estudo Fase III, sem perda de aderência, e houve 54% menor incidência de eventos cardiovasculares com o uso da nova droga oral comparado com o leuprolide). Nos pacientes com doença cardiovascular pré-existente essa incidência foi de 3.6% para aqueles que receberam relugolix e 17.8% para quem recebeu leuprolide, quase 5 vezes menor. Isso demonstra que pacientes com problemas cardiovasculares devem receber um antagonista do LHRH e não um agonista.

Pode-se destacar também que quase todos os pacientes que suspenderam o relugolix normalizaram a testosterona em 90 dias, o que não ocorreu com nenhum paciente do grupo com leuprolide. A droga produziu bloqueio do FSH, o que não ocorre com análogos. Papel do FSH no câncer da próstata ainda é desconhecido, mas alguns estudos sugerem que valores maiores tem relação com pior prognóstico.

Em relação aos pontos fracos do trabalho, o endpoint primário deveria objetivar níveis de testosterona abaixo de 20 ou 30 ng/ml, que são os recomendados atualmente. Vale ressaltar ainda que a medicação oral pode criar perda de aderência a longo prazo. Além disso, apesar de menor risco cardiovascular para o grupo que utilizou relugolix (HR 0.46), a redução do risco absoluto foi somente 3.3% menor (2.9% versus 6.2%). Para finalizar, o estudo não demonstrou resultados oncológicos (provavelmente não inferior), e os custos dos medicamentos não foram comparados.

Referência: Oral Relugolix for Androgen-Deprivation Therapy in Advanced Prostate Cancer - N Engl J Med 2020; 382:2187-2196 - DOI: 10.1056/NEJMoa2004325

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