O médico especialista em radioterapia Robson Ferrigno, coordenador dos Serviços de Radioterapia dos Hospitais BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo e BP Mirante, analisa os principais estudos apresentados no ASCO 2020 que envolveram radioterapia e podem influenciar a rotina de condutas.
Por Robson Ferrigno
Câncer de mama
Vale destacar o poster de número 64 (Abstract# 572) que avaliou o impacto da dissecção axilar em 1411 mulheres do National Cancer Data Base (NCDB) com câncer de mama que foram tratadas com quimioterapia neoadjuvante seguida de cirurgia e que apresentaram linfonodo sentinela comprometido. Dessas, 1205 (85%) foram submetidas à dissecção axilar seguida de radioterapia adjuvante e 206 (15%) submetidas apenas à radioterapia adjuvante da mama e drenagens linfáticas. A sobrevida global em 5 anos foi semelhante nos dois grupos (69% nas pacientes que tiveram a axila operada e 79% naquelas que tiveram a axila apenas irradiada; p=0,33).
Por ser uma análise de banco de dados, esse estudo é um gerador de hipótese e analisa apenas sobrevida global. O benefício da dissecção axilar após quimioterapia neoadjuvante e linfonodo sentinela positivo é controverso e divide os especialistas que tratam câncer de mama. O estudo randomizado ALLIANCE 011202 deve responder essa questão com mais evidência. Estudos randomizados prévios (NSABP, French trial e AMAROS) já demonstraram controle semelhante da axila com cirurgia ou radioterapia no contexto do tratamento adjuvante. É pouco provável, como mostrou essa análise de banco de dados, que no contexto do tratamento neoadjuvante isso seja diferente.
Linfoma cerebral
O linfoma cerebral é uma enfermidade de difícil controle e vários esquemas de tratamento envolvendo quimioterapia sistêmica, quimioterapia intra-tecal e radioterapia de todo cérebro já foram testados, com resultados desanimadores.
Estudo apresentado no ASCO 2020 (Abstract# 2501) randomizou 91 pacientes com linfoma cerebral para receber ou não radioterapia de todo o cérebro com dose reduzida de 23,4 Gy em 13 frações de 1,8 Gy. O tratamento sistêmico incluiu rituximab, metotrexate, procarbazina, vincristina e cytarabine (esquema R-MPV-A). A adição de radioterapia de todo cérebro ao tratamento sistêmico aumento a sobrevida livre de progressão em dois anos de 54% para 78% (p=0,015).
Os autores desse estudo destacaram o benefício do emprego da radioterapia de todo o cérebro com dose menor do que a habitual e a avaliação da toxicidade e do impacto neurocognitivo será publicado futuramente.
Câncer de reto
Dois estudos randomizados mostraram os benefícios do emprego de quimioterapia mais efetiva no contexto do tratamento neoadjuvante do câncer de reto.
O Abstract#:4006 randomizou 920 pacientes com câncer de reto localmente avançado para comparar radioterapia e quimioterapia concomitante com capecitabina seguida de cirurgia (braço controle) com radioterapia hipofracionada (5 x 5 Gy) seguida de 6 ciclos de quimioterapia com esquema CAPOX ou 9 ciclos com esquema FOLFOX x 4, seguida de cirurgia (braço experimental).
Os pacientes do braço experimental tiveram maior taxa de resposta patológica completa (27,7% versus 13,8%; p < 0,001), menor falha de tratamento (23,7% versus 30,4%; p=0,02) e menor taxa de metástase a distância em 3 anos (19,8% versus 26,6%; p=0,004). A falha loco-regional foi semelhante nos dois grupos (8,7% e 6,0%: p=0,10).
O estudo PRODIGE 23 (Abstract #4007) randomizou 461 pacientes com câncer de reto inicialmente ressecável (estádios cT3/4 Nx M0) e com mais de 15 cm da borda anal para comparar radioterapia e quimioterapia concomitante com capecitabina seguida de cirurgia (braço controle) com TNT (“total neo-adjuvante therapy”) na seguinte sequência: 6 ciclos de quimioterapia com esquema mFolforinox, rádio e quimioterapia igual ao braço controle e cirurgia (braço experimental).
Os pacientes tratados com TNT tiveram maior sobrevida livre de doença em 3 anos (75,7% versus 68,5%, p=0,034) e maior sobrevida global em 3 anos (78,8% versus 71,37%; p<0,02).
Os dois estudos confirmam a tendência atual em maximizar a quimioterapia no contexto do tratamento neoadjuvante do câncer de reto. Essa estratégia visa melhorar o controle de doença à distância e aumentar a taxa de resposta do tumor primário, permitindo assim maior probabilidade de preservação de esfíncter.
Câncer de pulmão
O Abstract#:9007 randomizou 176 pacientes com câncer de pulmão de células pequenas e com doença limitada para comparar dois níveis de dose de radioterapia. No braço controle, 81 pacientes receberam o esquema padrão de 45 Gy em 30 frações de 1,5 Gy duas vezes ao dia (regime hiperfracionado) e, no braço experimental, a dose foi escalonada para 60 Gy em 20 frações de 1,5 Gy duas vezes ao dia. Ambos os grupos de pacientes receberam quimioterapia com cisplatina e etoposide nos padrões para tipo histológico de pequenas células.
Os pacientes tratados com dose escalonada tiveram maior sobrevida mediana (42 meses versus 23 meses, p=0,031) e maior sobrevida global em 2 anos (73% versus 46%, p=0,002). A sobrevida mediana livre de progressão foi superior no braço experimental, porém, não estatisticamente significativa (19,9 meses versus 14,4 meses, p=0,257). As toxicidades esofágica e pulmonar foram semelhantes nos dois grupos de pacientes, bem como a taxa de resposta completa.
O impacto da dose escalonada na sobrevida foi significativo, porém, ainda é precoce considerar essa estratégia como mudança de prática. O estudo é fase II, possui poucos pacientes e o seguimento ainda é curto. É possível as curvas de sobrevida se sobreporem com mais anos de seguimento. São necessários estudos fase III, mais pacientes e seguimento maior para usarmos esse escalonamento de dose na prática.
O Abstract#: 9508 é um randomizado de fase III que envolveu 133 pacientes com câncer de pulmão de células não pequenas, com mutação do EGFR, estádio IV e com até 5 sítios metastáticos (oligometástase) e sem metástases cerebrais. O braço experimental empregou radioterapia de todos os sítios comprometidos com técnica estereotática concomitante ao emprego de inibidor de EGFR e o braço controle empregou apenas inibidor de EGFR.
Os pacientes que receberam radioterapia tiveram sobrevida mediana livre de progressão mais longa (20,2 meses versus 12,5 meses; p<0,01) e sobrevida mediana global também mais longa (25,5 meses versus 17,4 meses, p<0,01). Não houve aumento de toxicidade com o emprego da radioterapia.
O estudo confirma que o emprego da radioterapia em sítios acometidos no paciente com câncer de pulmão oligometastático aumenta tanto a sobrevida livre de doença como a sobrevida global, sem impacto na qualidade de vida e na toxicidade..
Referências:
Abstract#:4006 - Short-course radiotherapy followed by chemotherapy before TME in locally advanced rectal cancer: The randomized RAPIDO trial.