Pacientes idosos com câncer tiveram melhorias significativas na qualidade de vida com a integração da avaliação geriátrica e o gerenciamento liderado por geriatras ao plano de tratamento oncológico. Os dados são do INTEGERATE, primeiro estudo clínico randomizado em oncologia geriátrica a mostrar que uma abordagem integrada envolvendo geriatras e oncologistas melhora a qualidade de vida, reduz internações hospitalares e a descontinuação precoce do tratamento devido a eventos adversos. O trabalho é um dos destaques do programa científico do ASCO 2020. Quem comenta é o geriatra e paliativista André Filipe Junqueira dos Santos (foto), presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP).
Devido a vulnerabilidades relacionadas à idade, os idosos sofrem eventos adversos significativos do câncer e seu tratamento, incluindo questões médicas, funcionais, cognitivas, nutricionais e psicossociais. Atualmente, um paciente idoso com câncer normalmente é encaminhado a um geriatra apenas nos estágios mais avançados da doença. “Uma abordagem integrada que envolva avaliação geriátrica abrangente e a participação precoce do geriatra pode ajudar a criar um plano coordenado para otimizar o cuidado da pessoa idosa com câncer”, defende Wee-Kheng Soo, geriatra e oncologista na Eastern Health em Melbourne, Austrália, e principal autor do estudo.
A avaliação e gerenciamento geriátricos abrangentes (do inglês, CGAM) fornecem uma estrutura para avaliar o estado de saúde do idoso com uma abordagem coordenada e centrada no paciente. Apesar da sua eficácia, a utilização da CGAM em oncologia é limitada devido à falta de evidências randomizadas nesse cenário.
O estudo
O INTEGERATE é um estudo prospectivo, randomizado, open-label, que inscreveu pacientes com câncer com mais de 70 anos e indicação para tratamento com quimioterapia, terapia-alvo ou imunoterapia. Os pacientes foram randomizados (1: 1) para receber CGAM liderado por geriatra, integrado ao cuidado usual (atendimento oncogeriátrico integrado) ou cuidado usual isolado, equilibrando informações sobre a intenção do tratamento, tipo de câncer, idade, sexo e performance status.
A qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS) foi avaliada usando a European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC) QLQ-C30 e QLQ-ELD14 no baseline e nas semanas 12, 18 e 24. O endpoint primário foi a qualidade de vida relacionada à saúde medida pelo escore validado Elderly Functional Index (ELFI). Os principais endpoints secundários incluíram função, humor, nutrição, entrega de tratamento, utilização de serviços e cuidados de saúde e sobrevida.
Resultados
Entre os 154 pacientes submetidos à randomização, 13 morreram na semana 12 e 130 (92,2% dos pacientes restantes) completaram pelo menos duas avaliações de resultados. Para o endpoint primário, os pacientes do grupo de intervenção tiveram escore ELFI significativamente melhor do que o grupo de atendimento usual em todos os momentos do acompanhamento, com uma diferença máxima na semana 18 (escore ELFI médio estimado de 72,0 vs 58,7, p = 0,001).
Diferenças significativas na QVRS favoreceram o grupo de intervenção em relação ao grupo de cuidado usual (domínios: físico, funcionamento social; mobilidade, carga da doença e preocupações futuras). A utilização hospitalar foi reduzida: houve 1,3 menos visitas ao departamento de emergência por pessoa por ano (39% menor que o grupo de atendimento habitual) e 1,2 menos internações não planejadas por pessoa por ano (43% menor, p <0,001). A proporção de pacientes que interromperam o tratamento precocemente devido a eventos adversos também foi menor no grupo que recebeu o cuidado integrado (32,9% vs. 53,2%; p = 0,01).
“Os resultados demonstram que o atendimento oncogeriátrico integrado em pacientes idosos que recebem terapia sistêmica levou a melhorias na qualidade de vida relacionada à saúde, menos admissões hospitalares não planejadas e menor descontinuação do tratamento. Os idosos (> 70 anos) com indicação para terapia anticâncer devem receber a CGAM para otimizar seus cuidados clínicos e resultados de saúde”, concluíramos autores.
Os pesquisadores planejam implementar um modelo de atendimento oncogeriátrico em um grande estudo multicêntrico para comparar diferentes modelos de atendimento em oncologia geriátrica (por exemplo, liderada por geriatra, enfermeira ou oncologista) e diferentes configurações de tratamento de câncer (oncologia cirúrgica, clínica ou radio-oncologia).
O estudo recebeu financiamento do National Health and Medical Research Council, Australia.
Avaliação oncogeriátrica é padrão ouro no tratamento de pacientes idosos com câncer
Por André Filipe Junqueira dos Santos, médico do Instituto de Oncologia de Ribeirão Preto (InORP), do Grupo Oncoclínicas, e presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP)
A Avaliação Geriatra Ampla (AGA) é uma ferramenta usada amplamente em atendimentos geriátricos, sendo baseada em um conjunto de instrumentos que avaliam o estado funcional, nutricional, mobilidade, condições sensoriais, cognição e humor, suporte social e ambiente. Tem como objetivo diagnosticar precocemente problemas de saúde e de condições de vida, permitindo ao médico geriatra entender condições da moradia e mobilidade, cognição e estado nutricional entre outros fatores,
Porém, o desafio é integrar aos resultados da AGA no tratamento oncológico, através de uma parceria entre o oncologista e o geriatra. Isso envolve uma análise dos resultados da AGA e uma coordenação com o tratamento oncológico.
O INTEGERATE é o primeiro estudo randomizado que analisa a integração do tratamento oncogeriátrico em pacientes idosos. Os resultados obtidos demonstram que o uso da AGA, junto com a avaliação por um médico geriatra, ao longo do tratamento oncológico, proporciona não somente a melhora na qualidade de vida, como também melhores resultados no tratamento oncológico em si, com menos admissões hospitalares não planejadas e menor descontinuação do tratamento.
Diante desse resultado e de outros estudos prévios, deve-se considerar uma avaliação oncogeriátrica como um padrão ouro no tratamento de pacientes idosos com câncer e especialmente em estudos clínicos oncológicos. Não deve ser aceitável omitir o uso da AGA em novos ensaios clínicos envolvendo idosos, visto que problemas identificados e intervenções subsequentes podem influenciar resultados importantes independentemente do tratamento.
Como as estruturas e configurações locais de assistência à saúde podem diferir, será necessários novos estudos para desenvolver modelos para a implementação da AGA, especialmente em quais tipos de câncer o seu impacto é mais relevante, como em câncer mais agressivos (pulmão e GI alto, por exemplo).
Outro desafio é avaliar como padronizar o uso da AGA nos serviços de saúde, visto a complexidade do instrumento em si e a escassez de profissionais especializados no seu uso, ampliando dessa forma essa estrutura de atendimento.
Referência: Abstract #12011 - Integrated geriatric assessment and treatment (INTEGERATE) in older people with cancer planned for systemic anticancer therapy. - Wee-Kheng Soo, Madeleine King, Alun Pope, Phillip Parente, Peteris Darzins, Ian D. Davis
First Author: Wee-Kheng Soo, MBBS, FRACP
Meeting: 2020 ASCO Virtual Scientific Program
Session Type: Clinical Science Symposium
Session Title: You're Only Old Once: Improving Outcomes for Older Adults With Cancer
Abstract #: 12011