Os cirurgiões oncológicos Angelita Habr-Gama e Rodrigo Perez (foto) são co-autores de artigo de revisão publicado no ASCO Educational Book que traça um panorama do tratamento e manejo do câncer retal, em cenários ainda bastante controversos da doença. “A incorporação de novas modalidades de tratamento aumentou significativamente a complexidade do tratamento e manejo do câncer retal, incluindo terapia perioperatória para doença localmente avançada e preservação de órgãos para aqueles com resposta completa ao tratamento pré-operatório”, destacam os autores.
O tratamento padrão do câncer de reto localmente avançado (T3 / T4 ou linfonodo-positivo) ainda é a quimiorradioterapia neoadjuvante (nCRT) seguida de excisão total do mesorreto e quimioterapia adjuvante. Essa abordagem terapêutica padrão reduziu a taxa de recorrência local para ≤10% dos casos. No entanto, o tratamento tem consequências negativas significativas do ponto de vista funcional e qualidade de vida dos pacientes. Neste contexto, obter resultados oncológicos similares evitando o excesso de tratamento e procedimentos invasivos desnecessários ainda é um desafio. “Muitos estudos estão interessados em abordagens com preservação de órgão como terapia neoadjuvante total (TNT) seguida de watch and wait em pacientes com resposta clínica completa (cCR), tendo a ressecção cirúrgica como um método de resgate apenas para aqueles pacientes com recrescimento tumoral”, observam.
As taxas de resposta nos tumores de reto são heterogêneas e aproximadamente 20% dos pacientes obterão uma resposta patológica completa (pCR), o que levou à ideia de uma abordagem watch-and-wait para pacientes com resposta clínica completa. “Com a preservação de órgãos, é provável que o paciente desenvolva menos sintomas relacionados ao tratamento e mantenha uma melhor qualidade de vida. A avaliação adequada da resposta à quimioterapia neoadjuvante é crucial para criar um plano de tratamento individualizado seguro e evitar uma cirurgia desnecessária em situações clínicas especificas”, esclarecem.
Preservação de órgão no câncer retal
Nos últimos anos, houve um aumento no uso de estratégias de preservação de órgãos para o tratamento do câncer retal. Os principais motivos para evitar uma proctectomia são sua morbidade pós-operatória, incluindo disfunção de continência urinária, sexual e fecal a longo prazo, além da necessidade de estomas temporários ou permanentes associados ao procedimento. A mortalidade pós-operatória também pode ser substancial, dependendo das comorbidades médicas e da idade do paciente.
A premissa básica para preservação de órgãos com manejo watch and wait é a obtenção de resposta clínica completa (cCR). A definição da cCR inclui avaliação clínica (fornecida pelo exame de toque retal [DRE]), endoscópica e radiológica. Os autores ressaltam que apenas os pacientes que preenchem os critérios com base nessas três modalidades de avaliação são considerados para a estratégia de “watch and wait”. “A ausência de características consistentes com a cCR em qualquer uma das modalidades de avaliação deve levantar a suspeita de doença residual e, nesse caso, o tratamento cirúrgico é geralmente recomendado”.
Nos casos de câncer de reto em que uma estratégia não operatória é considerada viável, os autores destacam que é necessário um acompanhamento intensivo que permita reconhecer precocemente qualquer recorrência local ou sistêmica, aumentando a chance de um tratamento de resgate bem-sucedido. “Após a avaliação inicial da resposta confirmando uma cCR, os pacientes devem ser reavaliados pelo menos a cada 2 meses durante o primeiro ano, a cada 3 meses durante o segundo ano e a cada 6 meses a partir de então. Exame de toque retal, retoscopia e determinação do nível de antígeno carcinoembrionário são recomendados para todas as visitas. A ressonância magnética (RM) é ferramenta imprescindível para confirmação de uma resposta clínica completa depois do tratamento neoadjuvante. “Uma vez obtida a cCR, a RM deve ser empregada rotineiramente para o seguimento da parede retal, mesorreto e linfonodos pélvicos pelo menos a cada 6 meses nos primeiros 2 anos e anualmente a partir de então. Esta tem sido nossa prática”, afirmam.
O artigo ressalta que as recorrências locais após essa estratégia de tratamento ainda são uma preocupação e podem se desenvolver a qualquer momento durante o acompanhamento. “A maioria das recorrências locais parece se desenvolver nos primeiros 12 meses de acompanhamento e pode representar limitações na identificação precisa da doença residual microscópica. Esses pacientes geralmente são passíveis de terapias de resgate, mas parecem estar em maior risco de desenvolver recorrências sistêmicas quando comparados aos pacientes sem recorrências locais”, destaca.
“A preservação de órgãos no tratamento do câncer retal tornou-se uma opção válida para pacientes selecionados após resposta à CRT neoadjuvante. Pacientes muito selecionados, que desenvolvem regressão completa do tumor sem evidência clínica, endoscópica ou radiológica de câncer residual, podem evitar cirurgia radical imediata e participar de um rigoroso programa de vigilância (watch and wait) com excelentes resultados oncológicos e funcionais”, concluem os autores.
Referência: Controversies in Rectal Cancer Treatment and Management - Weijing Sun, MD, FACP1; Raed Al-Rajabi, MD1; Rodrigo O. Perez, MD, PhD2; Saquib Abbasi, MD1; Ryan Ash, MD3; and Angelita Habr-Gama, MD, PhD2 - DOI: 10.1200/EDBK_279871 American Society of Clinical Oncology Educational Book 40 (April 2, 2020) 1-11.