Andrey Soares, chair do LACOG-GU, o Grupo Latinoamericano de Pesquisa em Tumores Geniturinários, analisa o que foi destaque no programa científico da ASCO e os debates que marcaram o panorama GU.
Abstract 5001 – No cenário do câncer de próstata metastático resistente a castração (CPRCm), dados pré-clínicos demostravam possível benefício da associação de inibidores da sinalização do receptor de andrógeno e inibidores de PARP1. Este benefício era mais evidente nas células dos pacientes que apresentavam a fusão do ETS2, pela interação da via de sinalização androgênica com a via da PARP, que tem atividade aumentada nas células tumorais resistentes a castração. De acordo com estes achados, a associação de veliparibe com abiraterona foi testada em estudo de fase III na comparação com abiraterona isoladamente, com o objetivo de avaliar se a associação teria melhor resposta de PSA em todos os pacientes e também naqueles com fusão do gene ETS.
O estudo também tinha uma linha paralela, de análise translacional. Infelizmente, a adição de veliparibe não aumentou a taxa de resposta de PSA e não impactou positivamente a população geral, ETS positiva ou ETS negativa, demonstrando que pacientes com CPRCm não derivaram benefício desta estratégia. O uso da fusão do gene ETS tampouco foi preditor de atividade da combinação.
Na análise translacional, que avaliou quase 60% dos pacientes, o achado de alterações nos genes de reparo do DNA (ATM, BRCA1, BRCA2, PALB2, RAD51B e RAD51C) foi, inesperadamente, relacionado a melhor resposta do PSA e de doença mensurável quando comparado aos pacientes sem estas alterações, independentemente do uso ou não de veliparibe. A sobrevida livre de progressão também foi maior nos pacientes que apresentavam mutações nos genes de reparo, mas nesta análise o benefício se deu principalmente no grupo tratado com veliparibe. Mutações no TP53, PTEN e PI3K tiveram impacto negativo na sobrevida livre de progressão.
Este trabalho nos traz novas perspectivas em relação à presença de mutações nos genes de reparo no CPRCm e reforça a importância do uso de inibidores de PARP nesta população, como já havia sido demonstrado nestes pacientes com o uso de olaparibe3.
Abstract 4501 – O câncer de bexiga passou 30 anos sem drogas de impacto que trouxessem benefício no tratamento dos pacientes metastáticos. A única droga aprovada neste período foi a vinflunina, com resultados muito modestos. Com a chegada da imunoterapia, a história natural do câncer de bexiga pode ser revista.
Atezolizumabe (o fase III foi negativo, mas ainda sem dados), nivolumabe, durvalumabe e por último pembrolizumabe foram aprovados pela FDA para os pacientes com câncer de bexiga metastático desde maio 2016. O KEYNOTE 045 foi o primeiro trabalho randomizado prospectivo de fase III que avaliou pembrolizumabe como tratamento de segunda linha para os pacientes com câncer de bexiga que progrediram à terapia prévia com platina.
Na ASCO 2017, os dados deste estudo foram atualizados e o benefício se mostra consistente e maduro, com sobrevida global acima de 10 meses na segunda linha e superior estatisticamente à quimioterapia. Definitivamente esta é a mudança de paradigma no tratamento dos pacientes com câncer de bexiga e esperamos ansiosamente sua aprovação no Brasil para esta indicação.
Abstract 4502 – O câncer de bexiga é o tumor do meio ambiente e da idade, o que torna frequente a presença de pacientes com comorbidades que por diversas vezes são impeditivas para o tratamento ideal, o uso de cisplatina. Neste cenário existe apenas 1 estudo de fase II/III que comparou gencitabina e carboplatina com M-CAVI.
Neste estudo, a taxa de resposta e a toxicidade menor foram em favor de gencitabina com carboplatina. A sobrevida global foi de 9,3 meses. Outro estudo, de fase II, comparou 2 esquemas (vinflunina + gencitabina x vinflunina + carboplatina) e demonstrou equivalência entre os braços, com menor toxicidade para os pacientes que fizeram a quimioterapia sem platina.
Galsky publicou os critérios de inegibilidade a cisplatina (PS ≥ 2, ClCreat < 60 mL/min, perda auditiva ou neuropatia periférica ≥ 2 e ICC CF III) e foram exatamente estes os critérios de inclusão do estudo de fase II em primeira linha KEYNOTE-052. Neste estudo, pacientes inelegíveis a cisplatina receberam pembrolizumabe com excelente tolerância. Na análise de biomarcadores houve associação estatisticamente positiva para a avaliação de 18 genes e expressão de PD-L1.
Abstract 4503 – Imunoterapia com inibidores de checkpoint já demonstrou sua efetividade em diversos tumores, inclusive nos tumores de bexiga. Mecanismos de resistência já foram descritos, assim como alvos para potencializar a eficácia da terapia imune. O catabolismo do triptofano está relacionado a imunossupressão e redução da atividade dos linfócitos T. A via do catabolismo do triptofano está presente no meio ambiente tumoral de vários tumores, reduzindo sua resposta imunológica.
A IDO1, uma enzima responsável pela degradação do triptofano é codificada pelo gene IDO1 e está presente em maior expressão nos tumores. Uma droga com o alvo de inibir a função desta enzima potencializaria a resposta imune. O Epacadostat é um inidor de IDO e foi testado em combinação com pembrolizumabe em pacientes com câncer de bexiga metastático em estudo de fase I/II. O estudo KEYNOTE demonstrou segurança e eficácia nos pacientes com câncer de bexiga após falha a tratamento baseado em platina. A taxa de resposta foi superior ao controle histórico nos estudos com imunoterapia e garante um estudo de fase III.
Abstract 4504 e Abstract 4506 – Desde a introdução dos inibidores do VEGF a história natural dos pacientes com câncer de rim metastático mudou. Após alguns anos de animação, houve uma estagnação com as novas drogas, uma vez que a sobrevida livre de progressão não passou de 11 meses, independente da droga usada. A imunoterapia também chegou aos tumores renais e o estudo CHECKMATE 025 mostrou maior resposta e ganho de sobrevida global em segunda linha após falha de TKI. Atualmente, diversos estudos avaliam a combinação de imunoterapia com inibidores de VEGF no tratamento de primeira linha. O estudo JAVELIN renal 100, de fase 1b, que avaliou a segurança e eficácia de avelumabe e axitinibe demonstrou aumento de toxicidade com a combinação, porém aceitável, com uma taxa de resposta bastante importante (54,5%).
No entanto, algumas combinações não são tão seguras, como pazopanibe e pembrolizumabe. Nas primeiras coortes a combinação apresentou toxicidade impeditiva, principalmente hepática. Na ASCO 2017 foram apresentados os dados da coorte C, aberta para avaliar a segurança do tratamento sequencial com 9 semanas de pazopanibe previamente. Apesar de toxicidade pouco menor e sem toxicidade hepática importante, esta estratégia também não se mostrou segura, encerrando, ao menos até o momento, a progressão de estudos com pazopanibe.
Abstract 4505 – Esta atualização do estudo IMmotion150 mostrado na ASCO GU traz os mesmos resultados prévios. Um ponto importante a ser destacado neste estudo de fase II com 3 braços foi a alteração do objetivo primário de sobrevida livre de progressão na população ITT para um objetivo combinado de sobrevida livre de progressão na população ITT e na população com PD-L1 positivo (> 1%).
Apesar da conclusão, conclamar um resultado promissor é um pouco decepcionante. Quando analisado atezolizumabe versus sunitinibe na população ITT e PD-L1 positivas não houve benefício, além de ser numericamente inferior. Quando avaliada a combinação versus Sunitinibe, na população ITT não houve diferença, porém na população PD-L1 positiva houve uma tendência em favor da combinação (14,7 x 7,8 meses; p-0,095).
Positivamente podemos destacar que os 78% dos pacientes que receberam sunitibibe e os 60% que receberam atezolizumabe quando fizeram cross over apresentaram uma taxa de resposta de 28% e 24% respectivamente. Outro destaque positivo foi a tolerabilidade e segurança. Talvez pela expectativa e pelos resultados dos estudos de combinação de anti PD1 e TKI, o resultado deste estudo é uma ducha de água fria, a não ser pela tolerabilidade e segurança. Esta combinação está sendo avaliada em estudo de fase III.
Abstract 4507 – Este foi mais um trabalho negativo! Após os dados do ASSURE e do S-TRAC permaneceram algumas dúvidas se a adjuvância em pacientes com alto risco deveria ser indicada. Inicialmente é importante frisar que um bom trabalho de adjuvância deveria aumentar a sobrevida global, ser bem tolerado e não impactar negativamente a qualidade de vida. Destaco aqui pontos importantes destes trabalhos. Há dúvidas se as populações são realmente de alto risco e superponíveis.
A classificação da UCLA nos pacientes metastáticos destaca que mesmo tumores T1 e T2, se de alto grau ou com pior performance, são de risco intermediário alto, assim como tumores T3 quando de baixo grau e de bom performance fazem parte do risco intermediário alto. Neste cenário, avaliando ambos os estudos, em torno de 37% dos pacientes são de risco intermediário alto. Estatisticamente errôneo, mas se superpusermos as curvas placebo veremos que em torno de 53% dos pacientes estão sem doença aos 5 anos, demonstrando uma população muito parecida.
Por último, no estudo ASSURE, claramente negativo, havia 21% de pacientes com histologia não células claras. A questão da dose foi bastante discutida, mas em ambos os estudos quando analisados exclusivamente os pacientes que receberam dose completa, apenas T3/T4 e somente histologia de células claras não houve diferença.
O estudo PROTECT foi desenhado para avaliar a sobrevida livre de recidiva nos pacientes com risco intermediário alto e alto risco que receberam a dose de 600 mg de pazopanibe. O estudo foi negativo e não alcançou seu objetivo primário. No entanto, o desenho inicial do estudo era para sobrevida livre de recidiva em pacientes que receberam a dose de 800 mg, população que foi avaliada e demonstrou benefício em relação à recidiva, estatisticamente positivo. Assim como nos outros estudos, a toxicidade foi bastante importante, com redução de dose em torno de 50% e descontinuação em aproximadamente 50%. O impacto na qualidade de vida foi negativo, permanecendo negativo até 18 meses.
Em perspectiva, temos 2 estudos negativos e 1 estudo positivo com objetivo primário de sobrevida livre de recorrência, com resultados conflitantes entre análise central e do investigador, com intervalos de confiança muito próximos e sem poder estatístico para sobrevida global. Pouco mais de 50% dos pacientes permanecem sem recidiva da doença aos 5 anos e provavelmente nunca precisarão tomar uma medicação tóxica e que impacta negativamente a qualidade de vida. Impacto financeiro importante sem benefício de sobrevida. Survey com médicos e pacientes demonstra que em ambos os casos a minoria deles concordaria com uma medicação que não desse benefício de sobrevida global. Diante das minhas conclusões, apesar de ainda aguardarmos mais 2 estudos com TKI (SORCE e ATLAS) acredito que já é hora de esquecermos adjuvância com TKI e aguardarmos os resultados com imunoterapia.
Abstract 5008 – A literatura é bem clara quanto ao benefício do tratamento combinado de radioterapia e hormonioterapia de longa duração (24 a 36 meses) nos pacientes com câncer de próstata localizado de alto risco. O uso prolongado destas drogas sempre trouxe algumas preocupações, como aumento de risco cardiovascular, não comprovado em diversas meta-análises para uso até 36 meses, impacto negativo na qualidade de vida, risco de perda de massa óssea e custo. Um estudo que comprove a eficácia de um menor tempo do uso de hormonioterapia poderia minimizar tais preocupações. E foi esta resposta que o grupo canadense nos trouxe na ASCO 2017.
Uma das críticas ao estudo é em relação à dose usada na radioterapia de 70 Gy, que já é sabida ser inferior a doses de ao menos 78 Gy em pacientes de alto risco. Outro ponto é o desenho do estudo, de não-inferioridade no grupo que recebeu 18 meses versus 36 meses, sem considerar que o limite superior do intervalo de confiança foi de 1,289, maior que o esperado, e a não-inferioridade não pode ser demonstrada do ponto de vista estatístico. Positivamente as análises de qualidade de vida foram superiores nos pacientes que receberam 18 meses de bloqueio androgênico. Houve mais mortes por outras causas no braço que recebeu 36 meses. A mortalidade cardiovascular foi igual entre os grupos, confirmando não haver aumento de risco nos pacientes com doença localizada que necessitem receber 36 meses de bloqueio androgênico.
Mesmo sendo um estudo que a maior parte dos discutidores definiu como novo padrão de 18 meses, vejo com muita cautela esta mudança, uma vez que a não-inferioridade não pode ser demonstrada, apesar de melhor qualidade de vida. O fato de mais pacientes no grupo de 18 meses voltar a valores normais de testosterona e mais rapidamente pode estar associado a melhora na qualidade de vida. A discussão com o paciente entre uma possível perda na efetividade do tratamento com uma melhora na qualidade de vida deve ser levada em conta.
Abstract 5002 – Abiraterona e enzalutamida demonstraram eficácia no tratamento dos pacientes com CPRCm em primeira (COU 302 e Prevail) e segunda linha (COU 302 e AFFIRM). A sequência ideal não é conhecida e existem apenas alguns estudos retrospectivos com número muito pequeno de pacientes avaliando o sequenciamento. Muitos dos mecanismos de resistência são compartilhados nos pacientes que recebem estas terapias. Neste estudo de fase II os autores pretendem demonstrar qual o melhor sequenciamento.
Na ASCO de 2017 alguns objetivos secundários foram mostrados, sendo que exceto por maior resposta do PSA com enzalutamida em primeira linha todos os outros objetivos são superponíveis e não tem diferença. Até o momento, os dados não definem o melhor sequenciamento e os pacientes podem iniciar o tratamento com abiraterona ou enzalutamida.
Interessante neste estudo foi a avaliação de alguns biomarcadores. Nesta análise, contrariamente ao abstract 5001, os pacientes que apresentavam mutações nos genes de reparo apresentaram pior resposta ao PSA.
Abstract 5004 – A associação de abiraterona e enzalutamida sempre foi atraente devido aos seus mecanismos de ação e mecanismos de resistência nos pacientes com câncer de próstata (aumento da produção de testosterona e aumento da expressão dos receptores de andrógeno). Infelizmente, a associação destas drogas já tinha se mostrado ineficaz em um estudo de neoadjuvância em pacientes de alto risco, sendo que a associação mostrou-se inferior ao uso de abiraterona isoladamente em relação à resposta patológica ≤ pT2 e ainda foi responsável por um aparecimento mais importante de ARV-7.
O estudo PLATO falhou em demonstrar nos pacientes que progrediam por PSA a enzalutamida que a adição de abiraterona foi igual à troca para abiraterona apenas. A sobrevida livre de progressão para a associação e para os pacientes que fizeram a troca foi igual, sendo que a resposta de PSA foi bastante frustrante. Este é mais um trabalho que demonstra que a associação de abiraterona e enzalutamida não tem papel no tratamento dos pacientes com câncer de próstata.
Abstract 4589 – Câncer de pênis pode ser considerada uma doença órfa, assim como estudos de fase III para guiar condutas nestes pacientes. Na doença localmente avançada com acometimento linfonodal, as estratégias de quimioterapia, radioterapia e quimioradioterapia são usadas, sempre baseadas em estudos restrospectivos ou de fase II, assim como a quimioterapia neoadjuvante.
Nesta análise retrospectiva de mais de 400 pacientes, verificou-se que a adição de quimiorradioterapia pós operatória não adicionou benefício em relação à terapia dupla (quimioterapia adjuvante ou radioterapia adjuvante) e não houve diferença entre elas.
Na análise multivariada apenas o estadiamento teve impacto prognóstico. Esta foi a maior análise retrospectiva de tratamento adjuvante em câncer de pênis, e infelizmente não trouxe grandes mudanças na prática clínica.
LBA 10012 – Os tumores de testículo acometem principalmente indivíduos jovens, positivamente a maioria dos pacientes ficam curados, mas a quimioterapia utilizada pode impactar os pacientes. Nesta avaliação, o hipogonadismo ocorreu em 38,5% dos pacientes e foi diretamento relacionado ao risco de hipertensão, diabetes, dislipidemia, disfunção erétil, depressão e neuropatia periférica. Na análise genética há uma aparente relação entre polimorfismos na SHGB e incidência de hipogonadismo. Idade e IMC maior que 25 aumentam o risco de hipogonadismo e atividade física reduz o risco.
Este estudo traz mudanças na prática clínica com recomendações de estimular a atividade física nos pacientes com câncer de testículo, orientações dietéticas para manter o peso adequado e tratar os casos de hipogonadismo para reduzir os impactos.
Abstract 4550 – Apesar de ser uma doença curável, o tratamento do câncer de testículo pode impactar a vida dos pacientes tratados. Pacientes tratados há mais de 20 anos, com seguimento mediano de 25 anos, apresentaram 50% mais chance de morrer do que indivíduos que não tiveram câncer de testículo. As mortes cardiovasculares e por segundas neoplasias foram as mais importantes. O tratamento do câncer de testículo pode custar até 7,5 anos a menos para os pacientes.
Referências Bibliográficas
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