Um estudo prospectivo (LBA10002) apresentado na ASCO 2017 sugere que a intervenção STREAM, um programa de gerenciamento de distress realizado online, pode aliviar o distress e melhorar notavelmente a qualidade de vida dos pacientes. A psico-oncologista Cristiane Bergerot (foto), Postdoctoral Fellow do Departamento de Oncologia Médica & Terapêutica Experimental do hospital City of Hope, comentou o estudo para o Onconews.
"O suporte psicológico aos pacientes neste momento inicial do curso de seus cuidados com o câncer é dificultado pela falta de acessibilidade, tempo e recursos, tanto do paciente como do provedor de cuidados", afirmou a autora principal do estudo, Viviane Hess, médica oncologista do Hospital Universitário da Basileia, Suíça. "Por meio desta intervenção online, pretendemos preencher essa lacuna".
O STREAM é um programa de gerenciamento de distress via web desenvolvido por oncologistas e psicólogos (www.stress-aktiv-mindern.ch). A intervenção é baseada no programa de manejo do estresse, abordagem cognitivo comportamental. O programa é composto por oito módulos (1 a 2 horas por semana), temas diferentes são abordados, tais como: reação corporal ao estresse, redução do estresse cognitivo, sentimentos e interações sociais. Há ainda um contato escrito [BCD1] semanal com psicólogos. Os participantes receberam informações escritas e de áudio, e depois completaram exercícios e questionários.
Segundo os autores do estudo, este modelo de terapia remota conhecido como "Intervenção online orientada por terapeuta" (STREAM) é bastante novo, embora já esteja se tornando uma abordagem padrão para certos distúrbios psicológicos, como a ansiedade, e parece ser tão efetivo como a terapia tradicional presencial. Por serem intervenções pontuais e direcionadas para as necessidades dos pacientes recém diagnosticados com câncer, são breves (média de 13 minutos) e mais aceitas pelos pacientes, quando comparado às psicoterapias convencionais, particularmente no momento em que estão lidando com diversas consultas médicas.
"As novas tecnologias abrem novas oportunidades. Com esta intervenção, podemos oferecer um suporte psicológico, necessário aos pacientes no conforto de suas casas. E mesmo à distância, pacientes e psicólogos ainda podem formar um vínculo terapêutico através deste contato", disse Hess.
Sobre o estudo
No estudo prospectivo, pacientes recém diagnosticados com com câncer foram randomizados até 12 semanas após iniciar o tratamento contra o câncer, para uma intervenção via web ou para uma lista de espera (grupo controle) por 8 semanas. A intervenção consistiu em 8 módulos com feedback semanal escrito por um psicólogo ("contato mínimo") com base em programas de manejo de estresse bem estabelecidos.
Em ambos os grupos, os pesquisadores usaram escalas validadas para medir a qualidade de vida (FACIT-F), distress (DT) e ansiedade/depressão (HADS) no início do estudo e dois meses após a intervenção. Foi definida uma diferença de nove pontos no escore FACIT-F como uma melhoria clinicamente significativa na qualidade de vida. A escala DT [BCD2] é rotineiramente usada para detectar problemas de distress em pacientes com câncer. Uma pontuação de 0 a 3 é considerada baixo distress, enquanto 4-10 é considerado distress alto. O grupo controle não recebeu apoio psicológico durante os dois primeiros meses de inscrição no estudo.
Os psicólogos revisaram o progresso dos pacientes semanalmente e forneceram orientação e suporte personalizados, por escrito, através de um portal online seguro. Os especialistas envolvidos estavam na Basiléia, e os pacientes foram atendidos em seus locais de origem: Alemanha, Suíça e Áustria. Os pacientes também tiveram a oportunidade de escrever diretamente aos psicólogos através do programa.
Resultados
Do total de participantes, 129 pacientes foram randomizados para o grupo de intervenção STREAM (n=65) ou grupo controle (n=64). A idade média foi de 52 anos (46-58); 109 pacientes (84%) eram do sexo feminino, a maioria tratada no cenário curativo (111 pts; 86%) com quimioterapia (74 pts; 58%), sendo 92 pacientes (71%) para câncer de mama. O estudo também incluiu pacientes com câncer de pulmão, ovário e câncer gastrointestinal, bem como com linfoma e melanoma, cabeça e pescoço e genitourinário.
O distress auto-relatado no baseline (= fator de estratificação) foi acima de 4 em uma escala de 10 pontos (DT) em 99 pacientes (76%). Em T2, a qualidade de vida (FACIT-F) aumentou (p=0,044; ANCOVA ajustado para distress no baseline) e o sinal de distress diminuiu (p=0,032) no grupo de intervenção em comparação com o grupo controle (lista de espera).
Após dois meses, os pacientes no grupo de intervenção apresentaram maior melhora na qualidade de vida em comparação com os pacientes no grupo controle - o escore FACIT-F médio aumentou em média 8,59 pontos no grupo de intervenção. A pontuação de distress diminuiu de 6 para 4 pontos no grupo de intervenção, mas permaneceu a mesma (6 pontos) no grupo controle. Não houve diferenças significativas na presença de sintomas de ansiedade e ou de depressão entre os dois grupos.
Os autores concluíram que o STREAM se mostrou um programa de manejo de estresse via web viável e eficaz para melhorar a qualidade de vida e diminuir o distress dos pacientes, abrindo um novo campo para intervenções online de contato mínimo para pacientes recém diagnosticados.
Para tornar esta intervenção acessível a mais pacientes, os pesquisadores pretendem traduzi-la para outras línguas (atualmente está disponível apenas em alemão) e desenvolver programas online para treinamento de psicólogos. "Acredito que o suporte psicológico online deve ganhar importância nos próximos anos, uma vez que a geração digital começa a atingir a idade em que correm maior risco de câncer. Para eles, será natural usar essas ferramentas de comunicação sem interação presencial. Agora é o momento de padronizar e validar essas ferramentas", concluiu a especialista.
Ferramenta pode ser útil para o contexto brasileiro
*Por Cristiane Decat Bergerot
A maioria dos pacientes sofre distress significativo após o diagnóstico de câncer, o que afeta não apenas a qualidade de vida, mas também influenciar negativamente o curso da doença e sua capacidade de tolerar o tratamento. Apesar disso, poucos pacientes com câncer recebem suporte psicológico.
Com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de pacientes recém diagnosticados com câncer, um programa de intervenção baseado em evidência científica foi adaptado e disponibilizado via web. Os pacientes foram recrutados online e os módulos mesclavam intervenções psicoeducativas, reflexão e estratégias de enfrentamento, disponíveis em áudio para os pacientes. Melhoras significativas foram encontradas para qualidade de vida, bem como para redução do nível de distress.
Os resultados descritos são encorajadores, em especial para a nossa realidade no Brasil. Trata-se de uma estratégia que, se bem desenvolvida, poderá reduzir o custo e ampliar o acesso ao suporte psicológico aos pacientes. Esse recurso poderá ainda auxiliar na redução do estigma ao tratamento psicológico e auxiliar os pacientes no enfrentamento do diagnóstico e do tratamento do câncer.
Futuros estudos deverão ser propostos com o intuito de traduzir essa proposta, bem como de avaliar a taxa de resposta e sustentabilidade para disseminação e implementação no Brasil. Vale lembrar que todas as ferramentas utilizadas para o screening dos pacientes já foram traduzidas e valiadas para o Português (TD[1], HADS[2]e o FACT[3]).
1. Decat, C.S., J.A. Laros, and T.C.C.F. Araujo, Distress Thermometer: validation of a brief screening instrument to detect distress in oncology patients. Psico-USF, 2009. 14(3): p. 253-260.
2. Botega, N.J., et al., [Mood disorders among inpatients in ambulatory and validation of the anxiety and depression scale HAD]. Rev Saude Publica, 1995. 29(5): p. 355-63.
3. Arnold, B.J., et al., Development of a single portuguese language version of the functional assessment of cancer therapy general (FACIT-G) scale. Quality of Life Research, 2000. 9(3): p. 316.
*A psico-oncologista Cristiane Decat Bergerot é psico-oncologista, Postdoctoral Fellow do Departamento de Oncologia Médica & Terapêuticas Experimental do hospital City of Hope. Em 2009, a especialista foi responsável pela tradução e validação do instrumento para a língua portuguesa.
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ASCO 2017