O impacto das funções cognitivas na adesão aos medicamentos orais para o tratamento do câncer é tema de estudo apresentado no Congresso ESMO 2016. O trabalho sugere que distúrbios cognitivos podem ser um parâmetro importante e subestimado para avaliar essa relação e identificar os perfis de pacientes mais propensos à baixa adesão.
Terapias orais anticâncer têm ganhado lugar importante no arsenal terapêutico, mas ao contrário do esperado, uma parcela significativa de pacientes não toma seus medicamentos conforme prescrito. Os fatores que influenciam a adesão ao tratamento oral são mal documentados em oncologia. A não-adesão às terapias orais contra o câncer pode afetar a eficácia do tratamento e até mesmo a sobrevida, com altos custos para os pacientes e sistemas de saúde.
Métodos e resultados
O estudo piloto prospectivo incluiu pacientes iniciando uma primeira terapia oral exclusiva. Antes do início do tratamento, foi realizada uma bateria de testes neuropsicológicos padronizados e uma avaliação da autonomia, depressão e ansiedade. Informações sobre as condições sociodemográficas também foram coletadas. A adesão à terapia oral foi avaliada por dois questionários de autoavaliação e uma ficha de observação nos meses 1 e 3 após o início do tratamento. Os resultados apresentados no evento são referentes ao mês 1 após o tratamento.
Entre 126 pacientes inscritos, 111 (88%) completaram o questionário de adesão em 1 mês com uma taxa de adesão de 90%. A média de idade no início do estudo foi de 70 anos de idade. Comprometimento cognitivo global foi observado em 50% dos participantes através do método de avaliação cognitiva Montreal (MoCA). Perturbações do funcionamento da memória e depressão foram significativamente associados com a não-adesão: [1,38 (1,03-1,85); P = 0,0326] e [4,67 (1,11-19,59); P = 0,0352], respectivamente. Uma relação foi encontrada entre a idade e a pontuação MoCA, e também com alterações do funcionamento da memória, ambos com um impacto maior acima de 70 anos (p <0,005).
O estudo concluiu que disfunções de memória e depressão (frequentemente observadas em pacientes idosos) parecem ser preditores de não-adesão, e observar as funções cognitivas antes do início da terapia antineoplásica oral é, portanto, relevante para identificar perfis de pacientes mais propensos a falhar na auto-gestão da terapia antineoplásica oral.
Para Bettina Ryll, presidente do ESMO Patient Advocacy Working Group, o atual conceito de adesão é demasiado estreito, e é preciso avaliar também os fatores que levam os pacientes à não-adesão intencional. “Os médicos esperam que os pacientes tomem a sua medicação como prescrita, e a não-adesão é considerada uma forma de desobediência. Às vezes a não-adesão é realmente intencional, o que na verdade revela as verdadeiras preferências dos pacientes, que podem ser muito diferentes daquelas que os médicos e outras partes interessadas consideram relevantes. Por isso, ao invés de simplesmente discutir como fazer para cumprir a adesão contra as preferências dos pacientes, é preciso primeiro entender e, em seguida, enfrentar as verdadeiras razões subjacentes à não-adesão, a fim de melhorar os resultados desses pacientes em risco”, avalia.
Referência: Abstract 1497P - Impact of cognitive functions on oral anticancer therapies adherence - M. Dos Santos, M. Lange, B. Clarisse, M. Barillet, F. Joly; Caen, FR will be presented during a Poster Session on 09,10.2016 at 13:00 CEST