O oncologista André Murad, diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP), discute a importância da epigenética em tempos de COVID-19. Confira, em mais um tópico da coluna ‘Drops de Genômica’.
Por André Murad, oncologista, diretor científico do Grupo Brasileiro de Oncologia de Precisão (GBOP) e diretor executivo da Personal Oncologia de Precisão e Personalizada
Muitos me perguntam porque a Rússia tem baixíssima incidência de COVID-19, ou porque a quarentena não deu certo na Itália como na China, ou ainda porque na França morrem mais jovens em comparação com a Espanha, sendo que trata-se do mesmo genótipo de vírus (ou seja, a mesma estrutura molecular do RNA- as mesmas sequências nucleotídicas).
Os retrovírus ou RNA-vírus são um grupo de vírus de RNA que se replicam para produzir DNA a partir do RNA, usando uma enzima denominada transcriptase reversa. O DNA produzido é então incorporado ao genoma do hospedeiro. Esse fenômeno, muito estudado por nós que trabalhamos com genética, se chama variações epigenéticas dos hospedeiros.
Epigenética é a área da genética que estuda mudanças no funcionamento de um gene que não são causadas por alterações na sequência de DNA e que se perpetuam nas divisões celulares, meióticas ou mitóticas. É denominado um caráter epigenético quando o fenótipo é causado por tais mudanças.
O mesmo raciocínio se aplica aos organismos formados por RNA, como o vírus SARS-CoV-2, que é o vírus da COVID-19. As modificações epigenéticas canônicas, incluindo a metilação do DNA, a modificação de histonas e a remodelação da cromatina desempenham um papel em vários processos desde a carcinogênese até as infecções virais.
A epigenética explica o desenvolvimento de células em um organismo com a mesma sequência de DNA em diferentes tipos de células com várias funções. No entanto, estudos anteriores sobre epigenética focaram apenas na estrutura da cromatina. Recentemente, modificações epigenéticas do RNA, que incluem principalmente 6-metiladenosina (m6A), pseudouridina, 5-metilcitidina (m5C), inosina (I), 2′-O-ribosemetilação e 1-metiladenosina (m1A), ganharam crescente atenção.
A regulação epigenética pode ser fundamental na manutenção de epissomas virais por meio da geração de cromatina, no controle temporal da transcrição de genes virais durante o curso de uma infecção, na regulação da latência e na desregulação global da função celular. Portanto, embora os vírus que acometam os diversos países sejam os mesmos, há variações nos infectados, no seu organismo (comorbidades, idade, raça, hábitos de vida, etc) e até mesmo no meio ambiente (como variações climáticas e poluição ambiental) que são totalmente diferentes. Por isso o comportamento da doença e sua história natural muitas vezes se comportam de formas distintas e imprevisíveis.