Estudo publicado no International Journal of Cardiology considerou dados de mais de 5 milhões de pacientes para investigar as causas de internações cardiovasculares (CV) e os resultados associados entre pacientes com diferentes tipos de câncer. A cardio-oncologista Ariane Vieira Scarlatelli Macedo (foto), vice-presidente do Grupo de Estudos de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia e coordenadora nacional da cardio-oncologia da Rede D’Or, comenta os resultados.
No estudo, todas as admissões de pacientes cardiovasculares da Amostra Nacional de Pacientes Internados nos Estados Unidos entre outubro de 2015 e dezembro de 2017 foram estratificadas por tipo de câncer, bem como por status metastático. A regressão logística multivariada foi realizada para determinar os odds ratios ajustados (aOR) de mortalidade intra-hospitalar em diferentes grupos.
Resultados
De 5.936.014 admissões cardiovasculares elegíveis, o câncer esteve presente em 265.221 (4,5%) internações. Houve variação significativa nos diagnósticos de admissão entre os diferentes tumores, com as neoplasias hematológicas principalmente associadas a insuficiência cardíaca (IC), câncer de pulmão com fibrilação atrial (FA) e câncer colorretal e de próstata com infarto agudo do miocárdio (IAM).
A admissão com AVC hemorrágico apresentou a maior mortalidade associada entre os cânceres (20,0–38,4%). A mortalidade hospitalar foi maior em pacientes oncológicos em comparação com pacientes sem câncer na maioria das admissões cardiovasculares (P <0,001), com fibrilação atrial tendo o pior prognóstico.
Em comparação com o grupo sem câncer, a maior aOR de mortalidade foi associada a câncer de pulmão em infarto agudo do miocárdio (aOR 2,32, 95% CI 2,18-2,47), acidente vascular cerebral isquêmico (aOR 2,21, 95% CI 2,08-2,34), fibrilação atrial (aOR 4,69, IC de 95% 4,32–5,10) e insuficiência cardíaca (aOR 2,07, IC de 95% 1,89–2,27).
Os resultados demonstraram que as causas mais comuns de admissão cardiovascular ao hospital variam em pacientes com diferentes tipos de câncer, sendo o infarto agudo do miocárdio mais comum em pacientes com câncer de cólon, insuficiência cardíaca em pacientes com neoplasias hematológicas e fibrilação atrial em pacientes com câncer de pulmão. “Pacientes oncológicos, particularmente câncer de pulmão, apresentam maior mortalidade em comparação com pacientes sem câncer após internações por causa cardiovascular”, concluíram os autores.
Causas e desfechos após admissão por causa cardiovascular em pacientes com câncer
Por Ariane Vieira Scarlatelli Macedo
A relação entre câncer e doença cardiovascular é conhecida há décadas, mas avanços recentes no tratamento oncológico têm levado a uma melhor sobrevida relacionada ao câncer, aumentando o foco em torno dos eventos cardiovasculares subsequentes nos pacientes oncológico.
Este é o primeiro estudo a relatar sistematicamente os dados sobre causas e desfechos após uma admissão por causa cardiovascular em pacientes com câncer em uma perspectiva nacional nos Estados Unidos. Este estudo nos trouxe vários dados importantes aos mostrarem que a causa mais comum de internação cardiovascular varia de acordo com o tipo de câncer. Além disso, relataram diferenças significativas nas características basais e desfechos clínicos em pacientes com diferentes tipos de câncer de acordo com a doença cardiovascular que motivou a internação. Ao analisar as taxas de mortalidade, em comparação com pacientes sem câncer, os pacientes com câncer geralmente tinham piores taxas de mortalidade após internação por causa cardiovascular, particularmente câncer de pulmão, embora pacientes com câncer colorretal apresentem piores desfechos após um acidente vascular cerebral hemorrágico. A internação com fibrilação atrial carregava o pior prognóstico em todos os cânceres.
Os resultados deste estudo devem ser analisados a luz das limitações dos estudos observacionais utilizando banco de dados com codificação pelo CID-10, estando o estudo sujeito a subcodificação ou codificação incorreta. Além disso, não foi possível capturar detalhes sobre estágio do câncer, ou há quanto tempo os pacientes foram diagnosticados com câncer em relação a admissão. Neste estudo, ao capturar apenas eventos intra-hospitalares ele não nos fornece dados sobre resultados de longo prazo. Isso impede análises longitudinais que poderiam levar em conta sobrevida global e análises de risco concorrentes.
Uma análise mais detalhada adicional poderia orientar a implementação das medidas necessárias para reduzir o impacto da doença cardiovascular e melhorar os desfechos cardiológicos nessas populações específicas de pacientes. Dada a carga de internações cardiovasculares entre pacientes com câncer, estudos futuros são necessários para orientar as equipes de cardio-oncologia quanto ao rastreamento de doenças cardiovasculares neste grupo de pacientes e como fazer isso sistematicamente.
Ainda faltam dados robustos que ajudem a definir quais os pacientes devem ser rotineiramente avaliados quanto ao risco CV antes de iniciar certas quimioterapias e se imagens / exames cardíacos pré-quimioterápicos devem feitos para todos os pacientes ou apenas grupos específicos de pacientes. O campo da cardio-oncologia necessita urgentemente de estudos prospectivos e adequadamente desenhados que nos ajudem a orientar o cuidado cardiológico no doente com câncer.
Referência: Andrija Matetic, Mohamed Mohamed, Robert J.H. Miller, Louis Kolman, Juan Lopez-Mattei, Winson Y. Cheung, Darren R. Brenner, Harriette G.C. Van Spall, Michelle Graham, Christopher Bianco, Mamas A. Mamas, Impact of cancer diagnosis on causes and outcomes of 5.9 million US patients with cardiovascular admissions, International Journal of Cardiology, 2021, ISSN 0167-5273, https://doi.org/10.1016/j.ijcard.2021.07.054.