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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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Síndrome da compressão medular: uma breve revisão

Luiz Alberto Mattos NET OKEm mais um artigo da série sobre Emergências em Oncologia, o oncologista Luiz Alberto Mattos (foto), professor do Departamento de Medicina Clínica e chefe do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, e acadêmicos de medicina da instituição, abordam a síndrome da compressão medular. Confira.

Luiz Alberto Mattos NET OKEm mais um artigo da série sobre Emergências em Oncologia, o oncologista Luiz Alberto Mattos (foto), professor do Departamento de Medicina Clínica e chefe do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, e acadêmicos de medicina da instituição, abordam a síndrome da compressão medular. Confira.

Luiz Alberto de Mattos1, Gabriela Azevedo Nicodemos da Cruz2, João Victor de Carvalho Falcão2, José Emerson Paz Soares2

1- Professor do Departamento de Medicina Clínica e Chefe do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco

2- Acadêmicos de Medicina da Universidade de Federal de Pernambuco

Introdução    

A síndrome de compressão medular (SCM) é caracterizada pela compressão do espaço epidural por massa tumoral, geralmente extradural e de origem metastática. São abarcados por esse termo tanto o acometimento da medula espinhal propriamente dita quanto da cauda equina. Estima-se que ocorra em 2,5 a 5% dos pacientes com qualquer tipo de câncer 4.

A SCM é tida hoje como uma urgência oncológica, isso porque muitas de suas consequências, de curto a médio prazo, tornam-se potencialmente irreversíveis e o principal fator prognóstico do paciente acometido é o seu status no momento de início do tratamento.

Os tumores cujos quadros usualmente correm com a SCM são os de mama (29%), pulmão (17%) e próstata (14%)¹. Além desses, linfomas, tumores de células renais e mielomas múltiplos também são causas comuns da síndrome. Ademais, o acometimento da coluna vertebral por massas tumorais pode ser dado não por lesão única, mas por múltiplas, em 17 a 35% dos casos 4. Essas lesões se distribuem preferencialmente na porção torácica (59 a 78%), mas também acometem lombossacra (16 a 33%) e cervical (4 a 15%)².

O quadro clínico típico se dá com alterações sensoriais, motoras e autonômicas de níveis variáveis, as quais se mostram nas formas de fraqueza muscular, parestesia e, não raramente, acometimento esfincteriano. Além disso, quase totalidade dos pacientes refere dor no momento do diagnóstico, sendo essa a principal queixa.

O tratamento rápido e eficiente guiado por imagens radiográficas garante que danos neurológicos permanentes não ocorram. Quanto à modalidade de escolha, normalmente recorre-se à radioterapia. Entretanto, a corticoterapia - especialmente no controle dos sintomas - e a cirurgia desempenham papel important e na terapêutica do paciente.

Fisiopatologia

Hoje é sabido que, embora o efeito compressivo da massa tumoral desempenhe papel importante no desenvolvimento do processo patológico, tem maior influência sobre este o dano vascular local³. O efeito compressivo tumoral sobre o espaço epidural gera estase sanguínea e diminuição do fluxo do plexo venoso que corre nesse espaço, o que progride com a formação de edema da substância branca. Posteriormente, com o aumento do tamanho tumoral, o processo culmina com o comprometimento das arteríolas e isquemia da substância branca medular, dano este, irreversível³. Importante notar que, quanto mais rápido se der o processo de interrupção do fluxo sanguíneo, maior o dano neural e pior o prognóstico do paciente. O acometimento de porções do sistema nervoso central explica o porquê dos sintomas motores, sensitivos e autonômicos.

O efeito compressivo sobre o espaço epidural pode ser dado, basicamente, por três mecanismos: 1) Proliferação e desenvolvimento de metástase em vértebras; 2) compressão, por massa paraespinhal, do canal medular; 3) Destruição da porção cortical de vértebras com consequente desprendimento de fragmentos ósseos para o espaço epidural³. O primeiro mecanismo é o mais comum, compreendendo aproximadamente 75% dos casos¹ e, como já dito, deriva principalmente de tumores de mama, pulmão e próstata. Quanto ao segundo mecanismo, tem-se os linfomas como responsáveis pela grande maioria dos casos³.

Estudos como o de Boogerd et al. apontam motivos para a alta prevalência de metástases na coluna vertebral, tendo efeito importante nesse processo a maior vascularização local e a presença de grande quantidade de fatores de crescimento. Tipicamente, essas metástases ocorrem na porção posterior dos corpos vertebrais, local de maior aporte sanguíneo da vértebra e que mantém contato direto com a porção anterior medular³, explicando, até certo ponto, a prevalência de sintomas motores sobre os não motores na síndrome.

Apresentação Clínica

A apresentação clínica da SCM é marcada por dores, comprometimento sensório-motor e alterações esfincterianas. É relevante destacar que a ocorrência da Síndrome possui uma importante prevalência, podendo atingir 2,5 a 5% de todos os pacientes com câncer. Portanto, diante de um paciente - mesmo sem diagnóstico prévio de câncer - com piora progressiva de dores nas costas, incontinência ou paraplegia, particularmente na população de alto risco (fumantes de longa data, mulheres com histórico familiar de câncer de mama) a compressão medular deve ser suspeitada ².

A dor nas costas é o sintoma mais comum (88% a 96%), seguido por fraqueza (76% a 86%), déficits sensoriais (51% a 80%) e disfunção autonômica (40% a 64%).

A expressão da dor ocorre de maneiras diferentes e o paciente pode apresentar uma dor que pouco se assemelha à referida habitualmente - podendo dificultar o diagnóstico. Pode ser localizada a nível de coluna vertebral ou paravertebral, associando-se ou não à dor na raiz. Além disso, quando há esmagamento vertebral ou instabilidade da coluna, é possível a descrição de uma dor mecânica. A dor é na verdade, em muitas situações, o primeiro sinal de alerta, podendo originar-se meses antes do início do dano neurológico. Entretanto, é importante evidenciar que a dor não é por si só um preditor da compressão da medula espinhal ¹.

A mielopatia descreve qualquer déficit neurológico relacionado à medula espinhal. Entre as causas usuais de mielopatia estão a compressão medular devido à massa extradural causada por carcinoma metastático ósseo e trauma contuso ou penetrante 8.

A frequência de déficit neurológico como resultado da compressão da medula espinhal peridural varia com o local da doença primária: 22% com câncer de mama, 15% com câncer de pulmão e 10% com câncer de próstata 7.

Diagnóstico

A história, exame físico e imagens são essenciais para estabelecer o diagnóstico e conduzir o tratamento mais adequado. A dor nas costas se faz presente em 95% dos casos no momento do diagnóstico e, portanto, deve ser sempre valorizada. A duração da dor costuma variar entre semanas e meses e pode ser seguida de fraqueza, perda sensitiva e alteração esfincteriana. O exame físico deve incluir uma avaliação da força, sensibilidade, reflexos e função esfincteriana 5.

A ressonância magnética (RNM) é o exame de imagem padrão ouro para avaliação das alterações patológicas da coluna, incluindo tumores metastáticos. A ressonância magnética com gadolínio oferece sensibilidade de 93% e especificidade de 98%. O exame também fornece detalhes anatômicos sobre o envolvimento leptomeníngeo e estruturas de tecidos moles na coluna vertebral, como os discos intervertebrais, medula espinhal, raízes nervosas espinhais, musculatura espinhal e ligamentos. Através da RNM é possível distinguir as fraturas vertebrais osteoporóticas, que são hipointensas, das metastáticas, hiperintensas. Normalmente, as metástases são realçadas com o gadolínio, similarmente à medula óssea normal, entretanto, podem também aparecer isointensas. Devido ao fato de que múltiplos focos de metástases espinhais existem em quase um terço dos pacientes, é de suma importância a análise de toda a coluna 5.

A tomografia computadorizada (TC) oferece imagens altamente detalhadas da anatomia óssea e do grau de envolvimento do tumor, com sensibilidade em torno de 66% e especificidade 99%. Entretanto, a TC simples tem baixa sensibilidade para distinguir os limites dos tecidos moles, e pode ser usada em associação com a mielografia 5.

A mielografia geralmente é utilizada quando existe algum fator impeditivo para a realização da ressonância magnética. Ela permite detectar a localização anatômica da lesão e, adicionalmente, fornece o diagnóstico citológico do LCR 5.

Ademais, há também a possibilidade de realizar biópsia percutânea. Esta técnica é indicada para estabelecer um diagnóstico tecidual da lesão medular. Em caso de confirmação de metástase, a radioterapia é o tratamento inicial de escolha. Exclui-se, assim, a necessidade de exploração cirúrgica para investigação de demais etiologias.

Prognóstico

Os sistemas de pontuação prognóstica objetivam prever a sobrevida global dos pacientes e orientar a abordagem terapêutica. O Tokuhashi - sistema de pontuação utilizado na prática clínica - faz relação entre fatores associados à coluna vertebral e ao tipo de tumor primário e auxilia a predição de sobrevivência de pacientes com metástases na coluna vertebral 5.

É sabido também que não somente o tempo de início do tratamento, mas a velocidade de instalação dos sintomas são importantes para a previsão do desfecho ambulatorial. Inclui-se também fatores como a histologia radiossensível (mieloma múltiplo, tumores de células germinativas, linfomas e carcinoma de pequenas células) e a função pré-ambulatorial.

O estado neurológico motor no momento do início do tratamento é o mais importante preditor da função motora após este. Dados de estudos compilados mostram que cerca de 94% dos pacientes que andavam antes do início da radioterapia permanecem andando após o tratamento. Esse número é bem inferior quando a paraplegia já está estabelecida antes do tratamento, grupo esse em que apenas cerca de 13% dos pacientes voltam a andar.

A velocidade de instalação do comprometimento motor também é de importância significativa. Observa-se que pacientes com instalação mais lenta parecem responder melhor ao tratamento ¹. Em estudo realizado por Rades e colaboradores com 98 pacientes que apresentavam compressão de medula, destacou-se a importância do período entre o início de qualquer sintoma e o desenvolvimento de déficits motores até o momento do tratamento. Os grupos que apresentaram esse intervalo entre 1 e 14 dias tiveram resposta significativa em até 55% dos casos. Já naqueles que o período foi maior que 14 dias a resposta apropriada foi em torno de 86% ². Os dados evidenciam, portanto, a importância do status ambulatorial (antes e após início do tratamento) como fator prognóstico para pacientes com compressão medular 5. Cita-se, dentro desse contexto, o nível de resposta da função motora após início dos esteróides, sendo a melhora rápida da função um sinal prognóstico positivo, pois está associada à recuperação adicional da força após o tratamento definitivo 5.

Somando-se o status ambulatorial pós-cirúrgico e o sistema Tokuhashi, descobriu-se que deambulação no pós-operatório e o alto escore de Tokuhashi no pré-operatório estavam significativamente associados à maior sobrevida do paciente. Além disso, o poder de flexão do quadril no pré-operatório maior que o grau III foi crítico para a deambulação pós-operatória 6.

Tratamento

Corticosteróide

A utilização de corticosteroides é justificada pela atenuação dos níveis de dor através do mecanismo de diminuição do edema medular. Contudo, é um tratamento considerado adjuvante e de início precoce. A dexametasona - o corticosteróide de escolha - deve ser administrada logo que houver qualquer suspeita de compressão medular metastática, mesmo sem a confirmação radiográfica. Estudos como de Zaidat e Ruff, demonstram que a associação de dexametasona e posterior tratamento com radioterapia acarreta na melhora da dor. Sendo o diagnóstico radiográfico negativo, o corticoide pode ser descontinuado rapidamente.

Ainda não há, contudo, um consenso acerca de qual dose deve ser utilizada. Estudos como de Graham et al. mostram que não há uma diferença estatística entre doses entre, aproximadamente, 10mg e 100mg, quando seguidas de radioterapia. Todavia, a alta incidência de efeitos colaterais, principalmente gastrointestinais, associados à dexametasona em altas doses, faz com que não haja superioridade em relação ao tratamento com baixa dose.

Radioterapia

A radioterapia (RT) convencional é o tratamento padrão de pacientes com compressão medular metastática. Seu uso é justificado pela melhora da dor em 60%-70% dos pacientes, da função motora e por permitir que 30% dos pacientes andem novamente 4. Além disso, estudos por Rades et al. 4, apontam que a toxicidade aguda era mínima e a tardia não foi observada. O prognóstico, contudo, depende das condições prévias do paciente, visto que aqueles que desenvolvem os déficits motores paulatinamente possuem melhor resposta pós-tratamento e maiores taxas de sobrevida. O tempo de início de tratamento também é um fator prognóstico, pois a deambulação é mais provável de ser recuperada caso a RT comece até 12h após a incapacidade de caminhar 4.  

Atualmente, o esquema mais utilizado é o de 30 Gy totais em 10 frações, que, segundo Rades et al., é recomendado para todos os pacientes, exceto aqueles que possuem baixa expectativa de vida, cuja recomendação é fração única de 8 Gy. Contudo, é possível fazer certas alterações de acordo com a apresentação da doença. Quando há claras evidências de doença progressiva e refratária a quimioterapia, por exemplo, a hipofracionação é uma opção. Em tumores irressecáveis ou inoperáveis, pode-se considerar aumento de dose acima de 30 Gy, para que haja o controle do tumor a longo prazo.

Indicações importantes para o uso de RT incluem pacientes com tumores radiossensíveis, com expectativa de vida menor de 3 ou 4 meses, inoperáveis, déficit neurológico total abaixo do nível de compressão por mais de 24-48h, entre outras.

A RT utilizada sozinha tem sido o tratamento padrão para a compressão medular metastática (CMM), contudo, possui 3 principais limitações. A primeira diz respeito a tumores não-radiossensíveis; há muito tumores sensíveis que levam dias para darem uma resposta significativa, fazendo com que o dano da medula espinhal continue; e o fato de que a dose padrão de 30 Gy em 10 frações seja insuficiente para reduzir consideravelmente a massa tumoral, havendo a possibilidade de recorrência da CMM 2.

Cirurgia

O tratamento cirúrgico é indicado quando o paciente possui um bom status performance, incluindo aqueles com área única de compressão, instabilidade mecânica da coluna, câncer histologicamente radio-resistente ou tratamento prévio com radiação da mesma área 4.

Historicamente, eram realizadas laminectomias seguidas de RT. Contudo, estudos sugerem que a radioterapia sozinha é tão efetiva quanto 2. Isso pode ser explicado pelo fato de que a maioria das lesões na CMM comprimem a medula anteriormente, fazendo com que a laminectomia não retire o principal foco da massa tumoral e, muitas vezes, desestabilize a coluna, podendo piorar a dor e compressão.

Devido à inefetividade da laminectomia, surgiram novas técnicas cirúrgicas, como a cirurgia de descompressão direta com desbridamento máximo associada a estabilização espinhal intraoperatória acompanhada de RT pós-operatória. Com esse esquema, 50% dos paciente que não andavam tiveram a capacidade de deambular novamente 2.

Ainda, segundo Sundaresan et al., 75% dos pacientes que foram submetidos à cirurgia descompressiva circunferencial com estabilização espinhal intraoperatória melhoraram neurologicamente, enquanto apenas 45% dos pacientes que foram tratados apenas com RT tiveram essa recuperação 4. Corroborando, Patchell et al. realizaram estudo que comparou a cirurgia descompressiva circunferencial associada a RT com o esquema radioterápico apenas. Nele, foi observado que no primeiro caso 84% dos paciente tinham capacidade de andar e habilidade de deambularem por um período de aproximadamente 122 dias. Enquanto na RT, esses índices caem para 57% e 13 dias 4.

Referências

  1. BOUHAFA, Touria; ELMAZGHI, Abderrahman; HASSOUNI, Khalid; MASBAH, Ouafae. Compression médullaire d’origine méthastatique. Pan African Medical Journal, 2014.

  1. KWORK, Young; PATCHELL, Roy; TIBBS, Phillip. Clinical approach to metastatic epidural spinal cord compression. Hematology/oncology clinics of north america 20, 2006, pags. 1297-1305.

  1. BOOGERD, Willem; SANDE, J. Jacob. Diagnosis and treatment of spinal cord compression in malignant disease. Cancer Treatment Review, 19, 1993, pags. 129-150.

  1. CAVALIERE, Robert; CHANG, Eric; CHOW, Edward; LO, Simon; LUTZ, Stephen; MAYR, Nina; MENDEL, Ehud; SAHGAL, Arjun; SHIUE, Kevin; WANG, Jian. Management of metastatic spinal cord compression. Anticancer Ther, 10, 2010, pags. 697-708.

  1. BOUSSIOS, Stergios; COOKE, Deirdre; HAYWARD, Catherine; KANELLOS, Fovios L.; TSIOURIS, Alexandre K.; CHATZIANTONIOU, Aikaterini A.; ZAKYNTHINAKIS-KYRIAKOU, Nikolaos; KARATHANASI, Afroditi. Metastatic Spinal Cord Compression: Unraveling the Diagnostic and Therapeutic Challenges. International Journal of Cancer Research and Treatment, 2018.

  1. JH, Park; SC, Rhim; SR, Jeon. Efficacy of decompression and fixation for metastatic spinal cord compression: analysis of factors prognostic for survival and postoperative ambulation. Journal of Korean Neurosurgical Society, 2011.

  1. KLIMO JR., Paul; H. SCHMIDT, Meich. Surgical Management of Spinal Metastases. The Official Journal of the Society for Translational Oncology, 2003.

8.                  SEIDENWURM, D. J. Myelopathy. American Journal of Neuroradiology, 2008.


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