A eficácia da utilização de anticorpos anti-EGFR no tratamento do câncer de pulmão não pequenas células de histologia escamosa é o tema do artigo do médico Daniel Vilarim Araújo (foto), oncologista clínico do A.C. Camargo Cancer Center e do Hospital de Base de São José do Rio Preto.
A eficácia da utilização de anticorpos anti-EGFR no tratamento do câncer de pulmão não pequenas células de histologia escamosa é o tema do artigo do médico Daniel Vilarim Araújo (foto), oncologista clínico do A.C. Camargo Cancer Center e do Hospital de Base de São José do Rio Preto.
*Por Daniel Vilarim Araújo
O câncer de pulmão é a neoplasia mais frequente e a que mais mata no mundo. Em 2012 foi responsável por 1,8 milhão de casos novos (12,9% total) e 1,6 milhão de mortes (19,4%) segundo o GLOBOCAN.1 No Brasil, sua incidência em 2016 foi estimada em 28.220 casos novos, sendo a 2ª neoplasia mais incidente em homens e a 4ª em mulheres.2
Nas últimas décadas vivenciamos uma melhor compreensão molecular da doença, culminando no descobrimento de mutações driver – que direcionam a carcinogênese - em uma parcela pequena, porém significativa dos cânceres de pulmão não pequenas células (CPNPC), especialmente os de histologia não-escamosa. Tal descoberta posteriormente levou ao desenvolvimento de drogas-alvo altamente eficazes, com excelente perfil de toxicidade quando comparadas à quimioterapia convencional, como é o caso do erlotinibe, gefitinibe e afatinibe para os adenocarcinomas com mutação de EGFR e o crizotinibe para os pacientes com rearranjo do gene ALK. Compõe ainda o arsenal terapêutico para os carcinomas não-escamosos a terapia de manutenção com o anti-angiogênico bevacizumabe e o quimioterápico pemetrexede.
Infelizmente, a realidade para os carcinomas escamosos (CECs) – que representam 30% dos CPNPC - não é a mesma, sendo a quimioterapia convencional contendo um sal de platina (doublet de platina) a espinha dorsal do tratamento há mais de 40 anos.
Uma das importantes vias implicadas na carcinogênese dos CPNPC, especialmente dos CECs, é a do EGFR (Epidermal Growth Factor Receptor). Trata-se de um receptor transmembrana com expressão praticamente universal nos CPNPC (acima de 90% das células), sendo sua cascata de sinalização intracelular responsável por vários estímulos de proliferação e diferenciação tumoral. Antagonizar a via do EGFR é tratamento padrão, com ganhos comprovados em sobrevida global, para outros tipos de tumores como cabeça e pescoço e colorretal. Incorporar anticorpos anti-EGFR, portanto, surge como estratégia atraente para o tratamento dos CPNPC.3
Cetuximabe em câncer de pulmão
O cetuximabe - anticorpo monoclonal quimérico do tipo IgG1 – foi o primeiro anticorpo anti-EGFR desenvolvido. Dois estudos de fase III avaliaram a incorporação do cetuximabe à primeira linha de tratamento do CPNPC. O FLEX trial foi um estudo multicêntrico, aberto, prospectivo e randomizado, publicado no Lancet em 2009 por Pirker et al.3, que comparou cisplatina + vinorelbina + cetuximabe vs. cisplatina + vinorelbina. O desfecho primário a sobrevida global (SG). Foram incluídos 1125 pacientes com CPNPC estádio clínico (EC) IIIB ou IV, sendo que 227 (~ 20%) eram portadores de CEC. O grupo que recebeu cetuximabe teve um incremento absoluto, estatisticamente significativo de 1,2 meses na sobrevida global mediana (SGm): 11,3m vs. 10,1 (HR = 0,87; p = 0,04), acompanhado por um aumento na taxa de resposta (TR): 36% vs. 29% (p = 0,01). O mesmo não ocorreu para sobrevida livre de progressão (SLP): 4,8m vs. 4,8m (HR = 0,94; p = 0,39). Vale ressaltar que este benefício foi às custas de um aumento das toxicidades G3-4 no grupo do cetuximabe: 22% vs. 15% (p = 0,008). Quando analisamos apenas os CECs, o benefício derivado parece ser maior: SGm 10,2m vs. 8,9m (HR = 0,80).3
O segundo estudo de fase III - BMS 099 - foi publicado em 2010 no Jornal of Clinical Oncology por Lynch et al.4 Este trabalho tinha como objetivo primário avaliar a SLP, e randomizou 676 pacientes para receberem carboplatina + paclitaxel + cetuximabe vs. carboplatina + paclitaxel. O estudo foi negativo, não tendo havido diferença entre os grupos em relação à SLPm: 4,4m vs. 4,24m (HR = 0,92; p = 0,23) ou SGm: 9,69m vs. 8,38m (HR = 0,89; p = 0,16), respectivamente para o grupo que recebeu vs. o que não recebeu cetuximabe. Se analisarmos apenas os CECs (n=132), os números seguem sem impressionar: SGm 9,96m vs. 9,3m (HR = 0,87; p = 0,59).4
Tendo em vista o resultado conflitante dos dois estudos, em 2014 Pujol et al.5 publicaram na revista Lung uma metanálise de dados individuais contendo os dois trials supramencionados e dois estudos prospectivos de fase 2. De um total de 2018 pacientes avaliados, a SGm foi de 10,3m vs. 9,4m (HR = 0,88; p = 0,0009); e a SLPm foi 4,7m vs. 4,5m (HR = 0,9; p = 0,045) para os pacientes que receberam vs. os que não receberam cetuximabe em 1ª linha, respectivamente.
Entretanto, o ganho estatístico de 0,9 meses não foi capaz de convencer a comunidade científica a incorporar o cetuximabe ao tratamento de primeira linha no cenário de CPNPC metastático àquela época.
Alguns trabalhos tentando encontrar marcadores preditivos de benefício ao cetuximabe foram publicados em seguida.6,7,8 O mais promissor entre eles foi o desenvolvimento de um score de 0-300 avaliando a expressão em porcentagem de células, associado à intensidade da expressão do EGFR por imuno-histoquímica nos pacientes do FLEX trial.8 A partir da taxa de resposta observada, foi estabelecido o ponto de corte de ≥ 200 (31% da população estudada). Para este grupo, o uso do cetuximabe promoveu um ganho de SGm mais robusto: 12m vs. 9,6 (HR = 0,73; p = 0,22), enquanto que para a população com score < 200, o tratamento foi sem efeito: SGm 9,8 vs. 10,3 (HR = 0,99; p = 0,99).
Necitumumab em CEC pulmão
A ideia de antagonizar o EGFR para CPNPC não foi completamente esquecida, especialmente para os CECs, onde existem poucas oportunidades terapêuticas. Em 2015, Thatcher et al. publicaram no Lancet os dados do SQUIRE trial9. O estudo avaliou a incorporação do necitumumab – anticorpo monoclonal anti-EGFR de 2ª geração – associado à quimioterapia (cisplatina + gemcitabina) para pacientes portadores de CEC de pulmão em 1ª linha de tratamento. O grupo que recebeu necitumumab teve SGm: 11,5m vs. 9,9m (HR = 0,84; p = 0,01); e SLPm: 5,7m vs. 5,5m (HR = 0,85; p = 0,02). Tal benefício foi conseguido às custas do aumento na proporção de toxicidades G3 de 62% para 72% nos pacientes que receberam necitumumab.9
Quando considerados apenas os pacientes que expressavam EGFR via imuno-histoquímica em pelo menos uma célula (95% dos pacientes), o benefício torna-se mais evidente: SGm 11,7m vs. 10m (HR = 0,79; p = 0,002) e SLPm 5,7m vs. 5,5m, respectivamente para a população que recebeu vs. não recebeu necitumumab. Para os 5% dos pacientes que não expressavam EGFR, a incorporação do necitumumab parece ser detrimental: HR = 1,52 para SG e HR = 1,33 para SLP.10 Em contrapartida, o score 0-300, com cut-off ≥ 200 desenvolvido a partir dos dados do FLEX trial não se mostrou eficaz em predizer os pacientes que derivam benefício do necitiumumab.9
Após a publicação destes dados, em 2015 o necitumumab foi aprovado para 1ª linha dos CECs pulmão pelo FDA (US Food and Drug Admnistration) e em 2016 pela EMA (European Medicines Agency).
Ganhos clinicamente significativos?
Definir desfechos clinicamente significativos tornou-se um grande desafio na era da oncologia personalizada, uma vez que com a maior compreensão das doenças, houve o desenvolvimento e incorporação de novas modalidades terapêuticas (p.ex.: terapias-alvo e inibidores de checkpoint imunológico), altamente eficazes para um pequeno, porém importante grupo de pacientes, com taxas de resposta e duração de tratamento nunca antes vistos. Em 2014, Ellis et al. reportou a perspectiva de um grupo de experts da American Society of Clinical Oncology – ASCO, sobre a necessidade de aumentar a expectativa em relação à desfechos alcançados a fim de considerar um tratamento como sendo clinicamente relevante.11
Em linhas gerais, para que um ganho estatístico seja considerado clinicamente significativo, o tratamento avaliado deve demonstrar um incremento relativo em sobrevida global de pelo menos 20%. Cabe ainda considerar que tratamentos mais tóxicos que o padrão vigente devem, necessariamente, acompanhar ganhos mais substanciais, justificando a possível piora na qualidade de vida do doente tratado. Especificamente para os CEC de pulmão o grupo definiu como meta, considerando uma sobrevida global mediana de 10 meses em 2014, um ganho absoluto em SG de pelo menos 2,5 – 3 meses (HR = 0,77 – 0,8).11
Na contramão desta demanda, Sacher e Leighel et al. alertam para a tendência observada na análise dos trials de CPNPC durante o período de 1980 a 2010 de haver um aumento no número de trabalhos reportados como positivos, mas que na realidade representam benefício clínico marginal ou questionável.12
Perspectivas futuras para os CECs
O advento dos anticorpos monoclonais inibidores dos checkpoints imunológicos PD1/PD-L1 (Programmed Death-1/Ligante de PD-1) em CPNPC vem mudando o paradigma do tratamento da doença, inclusive para os CECs. Em 2ª linha, após progressão à primeira linha baseada em um doublet de platina, o nivolumab – anticorpo monoclonal anti-PD1 -quando comparado ao docetaxel em uma população de CECs pulmão não selecionada, conferiu ganho de SGm da ordem de 3,2 meses: SGm 9,2m vs. 6,0m (HR = 0,59; p < 0,001).13
Quando selecionados apenas os pacientes que expressam o ligante do PD-1 em mais de 50% das células tumorais (cerca de 30% dos CPNPC), o pembrolizumab - anticorpo monoclonal anti-PD1 - comparado à quimioterapia convencional baseada em doublet de platina em 1ª linha de tratamento produz o ganho absoluto de 4,3 meses em SLP: 10,3m vs. 6,0m (HR = 0,5; p = 0,005). Para os CECs os números parecem ser ainda mais animadores, apesar do baixo número de pacientes incluídos na análise (n=56 – 18% do total de pacientes analisados): HR=0,35 (0,17 – 0,71).
Conclusão
Anticorpos monoclonais anti-EGFR são ativos para CECs de pulmão, e, de maneira consistente, com moléculas distintas (cetuximabe e necitumumab), demonstraram ganhos estatísticos em sobrevida global, tendo o necitumumab sido aprovado para tratamento de 1ª linha dos CEC de pulmão, em associação à um doublet de platina, pelo FDA e EMA. Entretanto, estamos falando de ganhos absolutos clinicamente modestos, respectivamente 0,9 meses para cetuximabe e 1,6 meses para necitumumab em população não selecionada. Tal ganho é acompanhado de um aumento significativo nos casos de toxicidade G3-4 da ordem de aproximadamente 10% em números absolutos.
Parece claro que uma parcela dos portadores de CECs de fato se beneficiam dos anti-EGFRs. Entretanto, até o presente momento, não existem biomarcadores que consigam predizer de maneira eficaz o subgrupo de pacientes que deriva maior benefício.
Quando comparado a outras estratégias disponibilizadas de maneira concorrente, por exemplo imunoterapia – anti-PD1/PD-L1 - fica a impressão que os anti-EGFR chegaram tarde demais, não se justificando pelo seu alto custo e toxicidade vs. benefício marginal propiciado, pelo menos em uma população de pacientes não-selecionada.
*Autor: Daniel Vilarim Araújo é médico pela Universidade federal da Paraíba (UFPB), com residência de clínica médica geral pela UNESP – Botucatu e oncologia clínica pelo A.C. Camargo Cancer Center. Atualmente é oncologista clínico do A.C. Camargo Cancer Center e do Hospital de Base de São José do Rio Preto. Em 2017 recebeu o prêmio IDEA da Conquer Cancer Foundation.
Referências
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2 - INCA – http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/ acessado em 08/05/2016
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