Em artigo exclusivo, a oncologista Graziela Zibetti Dal Molin (foto), oncologista clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM), da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG) discute o benefício da quimioterapia no câncer de endométrio precoce.
Em artigo exclusivo, a oncologista Graziela Zibetti Dal Molin (foto), oncologista clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio de Moraes (COAEM), da Beneficência Portuguesa de São Paulo, e membro do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA/GBTG) discute o benefício da quimioterapia no câncer de endométrio precoce.
Abstract
O papel da quimioterapia no câncer de endométrio inicial ainda é controverso. Existem tumores iniciais com pior prognóstico e alto risco de recidiva que possivelmente se beneficiarão de quimioterapia adjuvante. Há a necessidade de validação de novos biomarcadores na classificação de risco e na estratificação de prognóstico dos tumores endometrioides de alto grau, como o uso de mutações POLE, a avaliação do número de cópias e do uso de L1CAM.
Introdução
O câncer endometrial é uma doença frequentemente sintomática em estadios iniciais e, por isso, é comum o diagnóstico em estadio clínico (EC) I, com alta chance de cura. Por outro lado, há pacientes com doença inicial que apresentarão recidiva e a necessidade de intensificação do tratamento com quimioterapia neste cenário ainda é controversa.1
A avaliação de risco do câncer de endométrio inicial
O manejo do câncer de endométrio tornou-se mais complexo na última década em decorrência de diversos fatores: mudanças na classificação histológica, nas indicações e nas modalidades de linfadenectomia e nas discrepâncias entre as diversas classificações de risco.2
O uso do modelo dualístico de tumores endometrais tipo I (endometrioides) e tipo II (não endometrioides) ainda é comumente utilizada. Os subtipos II são associados com alto risco de metástase e pior prognóstico. Contudo, cerca de 20% dos tumores tipo I apresentam recidiva e 50% dos tumores tipo II não apresentam, sendo essa classificação falha para auxílio decisório de tratamento adjuvante.3
Devido aos limites dos métodos convencionais para as classificações de risco, a incorporação de características moleculares e genéticas ganha importância na avaliação de fatores prognósticos e preditivos das pacientes.4
O papel da avaliação molecular na avaliação de risco do câncer endometrial
Em análise do The Cancer Genome Atlas foi visto que os tumores de endométrio são doenças muito heterogêneas e foram identificados quatro subtipos moleculares distintos: POLE ultramutado, instabilidade de microssatélite hipermutados, número de cópias baixo com estabilidade de microssatélite e seroso com número de cópias alto.5
Dentro dos tumores de alto grau, há grande heterogeneidade. Cerca de 25% são do subtipo POLE ultramutado, cujas mutações apresentam excelente prognóstico. Outros 25% dos tumores de alto grau são do tipo seroso com número de cópias alto, cujo prognóstico é ruim.5
Quanto aos marcadores prognósticos, a molécula de célula de adesão L1 (L1CAM) foi avaliada como fator prognóstico negativo relevante em tumores iniciais. Em estudo com 1021 pacientes EC I, a imunohistoquímica positiva para L1CAM relacionou-se com 51,4% de recidiva, bem como piora em sobrevida livre de doença e sobrevida global.6
Em análise conjunta dos estudos do PORTEC 1 e PORTEC 2, a positividade da expressão de L1CAM foi correlacionada com o risco de recorrência à distância e avaliada como fator prognóstico independente de recorrência à distância e de sobrevida global.7
Esses dados suportam a incorporação do uso de mutações POLE, a avaliação do número de cópias e do uso de L1CAM na estratificação de prognóstico dos tumores endometrioides de alto grau.2
Racional do uso de quimioterapia no câncer de endométrio inicial
Dada a chance de recidiva mesmo em tumores iniciais, a pergunta sobre utilizar o tratamento com quimioterapia para reduzir o risco de recidiva e morte ainda não foi completamente respondida.
A utilização de classificações de risco com parâmetros clínicos diferentes leva ao uso de critérios de inclusão distintos em estudos clínicos. Este ponto acaba dificultando as conclusões sobre a melhor adjuvância a ser realizada.
Em estudo mais antigo de quimioterapia (QT) com CAP (ciclofosfamida, doxorrubicina e cisplatina) versus radioterapia (RT), análise de subgrupo não planejada (pacientes com EC IC e acima de 70 anos ou com adenocarcinoma endometrioide G3 ou EC II ou citologia positiva) tiveram tendência ao benefício com QT ao invés de RT.8
Quanto à combinação de RT e QT, a análise combinada do estudo EORTC 55991/ MANGO ILIADE III mostrou que a adição de tratamentos aumenta a sobrevida livre de progressão em pacientes operados, sem doença residual de alto risco.9
Em um estudo de fase II publicado este ano, 122 pacientes (34% com doença inicial) foram avaliados para o uso de RT concomitante à cisplatina seguido de carboplatina e paclitaxel ou esquema CEP (ciclofosfamida, epirrubicina e cisplatina). A sobrevida livre de doença e sobrevida global foram de 73 e 84% respectivamente. Estudo de fase III está em andamento.10
O estudo de fase III GOG 249 incluiu somente pacientes EC I endometrioide alto risco, EC II, EC I ou II seroso e células claras e randomizou os pacientes para radioterapia pélvica ou braquiterapia seguida de três ciclos de carboplatina e paclitaxel. Não foram observadas diferenças em sobrevida livre de recorrência ou sobrevida global nos dois grupos.11
Em estudo retrospectivo que incluiu somente pacientes com histologia serosa EC I foi avaliado o uso de platina e taxano, associado ou não à radioterapia. Os pacientes tratados com QT apresentaram melhora em sobrevida livre de progressão e sobrevida câncer-específica.12
Novas perspectivas
A realização de novos estudos, com a inclusão de biomarcadores e o uso de terapias mais modernas de radioterapia poderá ajudar a responder qual o melhor subgrupo de pacientes que se beneficiará de quimioterapia adjuvante.
O estudo do grupo do EORTC está aberto e inclui somente pacientes EC I alto risco e EC II e randomiza os pacientes para radioterapia e/ou braquiterapia ou para o braço de braquiterapia seguido de carboplatina e paclitaxel.13. O estudo PORTEC 3 está incluindo pacientes EC I a III e randomiza os pacientes para radioterapia pélvica ou radioterapia concomitante à cisplatina seguido de carboplatina e paclitaxel.14
Conclusões
Em conclusão, o papel da quimioterapia no câncer de endométrio inicial ainda é controverso. Existem tumores iniciais com pior prognóstico e alto risco de recidiva que possivelmente se beneficiarão de quimioterapia adjuvante.
Contudo, há a necessidade da validação de novos biomarcadores na classificação de risco e sua incorporação nos critérios de inclusão de estudos clínicos. Dessa maneira, a escolha da melhor paciente para a utilização da intensificação do tratamento com quimioterapia será melhor realizada.
Palavras chave: quimioterapia, câncer endometrial inicial
Referências
1. Am Fam Physician. 2016; 15;93(6):468-74.
2. Lancet. 2016; 12;387(10023):1094-108
3. Gynecol Oncol 2014; 134: 385–92.
4. Lancet Oncol 2014; 15: e268–78.
5. Nature 2013; 497: 67–73.
6.Natl Canc Inst 2013,105: 1142.
7. Eur J Cancer 2014; 50: 2602–10.
8.Gynecol Oncol 2008; 108: 226–33.
9. Eur J Cancer 2010;46:2422
10.Gynecol oncol 2016;140:58.
11.Gynecol oncol 2014;134 (abstract LBA 431)
12.Cancer. 2009;15;115(10):2119-27.
13.NCT 00807768
14.NCT 00411138.