O oncologista Luiz Alberto Mattos (foto) e colegas do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco abordam em artigo os avanços e desafios no tratamento do câncer de pâncreas localizado.
O oncologista Luiz Alberto Mattos (foto) e colegas do Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco abordam em artigo os avanços e desafios no tratamento do câncer de pâncreas localizado.
Autores: Luiz Alberto Mattos1, John Maciel1 , Luana Falcão1, Caroline Teixeira Pinto1.
1Serviço de Oncologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco.
Apesar dos avanços na área, o câncer de pâncreas permanece com altas taxas de mortalidade, o que torna seu tratamento um grande desafio no campo da oncologia. Ressecção cirúrgica é a única chance de cura, embora apenas 15 a 20% dos pacientes sejam potencialmente ressecáveis ao diagnóstico. Contudo, mesmo os pacientes submetidos à ressecção R0 têm prognóstico reservado devido às altas taxas de recidiva tanto local (20%) quanto sistêmica (80%). Diante disso, quimioterapia, radioterapia ou terapia combinada têm sido utilizadas antes ou após tratamento cirúrgico com o intuito de aumentar as taxas de cura.
Estudo seminal publicado em 2012 demonstrou que a ocorrência de disseminação metastática precede a formação do tumor local em até dois anos. Sendo assim, as estratégias para elevar as chances de cura residem em otimizar o tratamento local, aumentando por exemplo a probabilidade de ressecção com margens negativas ou convertendo as doenças irressecáveis em potencialmente ressecáveis, e prevenir a disseminação metastática, erradicando as micrometástáses tanto localmente quanto à distância.
Atualmente, a terapia adjuvante é recomendada para todos os pacientes com câncer de pâncreas ressecado, incluindo doença T1N01,2. Desde o primeiro estudo americano para adjuvância, o GITSG, um estudo de fase III, com apenas 49 pacientes tratados ainda na década de 80, até o estudo apresentado na ASCO desse ano, evidências reiteram o benefício do tratamento adjuvante, primeiro em termos de aumento de sobrevida quando comparado à observação, mais recentemente com ganho de sobrevida comparado à esquema com mono droga. Como resultado dos estudos desenvolvidos nas últimas 3 décadas, sabemos que alguma quimioterapia é melhor que observação e dentre as drogas avaliadas até o momento estão as fluoropirimidinas associada ou não à capecitabina.
Se os americanos foram os pioneiros a demonstrar o benefício da quimioterapia adjuvante, o EORTC demonstra a quimiorradioterapia com 5FU ou observação com um ganho de 2,4 meses na sobrevida global (p=0,5) em 2007.
No entanto, foram estudos conduzidos pelo grupo europeu, European Study Group for Pancreatic Cancer, que avaliaram com mais detalhe essa questão. O ESPAC-1 (4), apesar do desenho complexo, estabeleceu a quimioterapia adjuvante como padrão na Europa, em 2006.
Os estudos até então utilizavam o 5FU como droga padrão, mas com o benefício demonstrado na doença avançada com a gencitabina, o estudo O CONKO-001 (7) endereçou a questão se essa droga teria papel no cenário adjuvante. Pacientes foram randomizados para receber 6 ciclos de gencitabina versus observação, sendo demonstrado um ganho de sobrevida livre de doença inicialmente (13,4 meses x 6,9 meses, p<0,001) para o grupo da quimioterapia adjuvante, sem diferença na sobrevida global7. No entanto, com um tempo maior de seguimento esse ganho em sobrevida global foi evidenciado, (22,8 x 20,2 meses, p=0,01)9, com uma taxa de sobrevida em 5 anos de 10% e em 10 anos foi de 5%.
O estudo multicêntrico ESPAC-3, randomizando mais de mil pacientes, comparou gencitabina versus 5FU adjuvantes durante 6 meses, demonstrando serem os dois esquemas equivalentes em termos de sobrevida global, com a gencitabina apresentando menor perfil de toxicidade.
O RTOG 9704, em primeira análise em 2002 e atualizado em 2011, e usando gencitabina em monoterapia antes e após quimiorradioterapia baseada em 5FU ou toda terapia baseada em 5FU, antes, durante e após radioterapia, demonstrou taxa de sobrevida global semelhante nos dois braços, bem como de sobrevida livre de progressão.
A partir dos dados desses estudos, seis meses de quimioterapia adjuvante passou a ser considerado padrão-ouro para pacientes com adenocarcinoma de pâncreas ressecado. Se a quimiorradiação adjuvante é importante continua a ser uma questão ainda sem resposta, e está sendo avaliada pelo estudo RTOG 0848, que compara quimioterapia versus quimiorradioterapia, diferindo do RTOG 9704, já que a quimiorradioterapia é administrada após seis ciclos de gencitabina, a fim de maximizar o controle sistêmico e poupar pacientes que recidivam à distância.
No entanto, estudo apresentado na ASCO 2016, ESPAC-4, avalia o papel de duas drogas anteriormente avaliadas, mas agora em associação, a gencitabina e capecitabina11. Resultados preliminares indicam que num seguimento mediano de 43 meses, a terapia combinada aumentou significativamente a sobrevida global dos pacientes ressecados.
Para o futuro, aguardamos resultados do estudo CONKO-005 que está testando o papel da associação do erlotinibe à gencitabina versus gencitabina,12,13 e dos PRODIGE e APACT, que avaliam o papel dos esquemas FOLFIRINOX e gencitabina + nab-paclitaxel14, respectivamente
No continente europeu, mas também na Ásia, a quimioterapia adjuvante é o tratamento de escolha baseado nos resultados do CONKO 001, reservando a quimiorradioterapia para estudos clínicos randomizados2. Por outro lado, os americanos mais comumente incluem a quimiorradioterapia associada à quimioterapia. O guideline da NCCN sugere quimiorradioterapia baseada em fluorouracil mais gencitabina ou quimioterapia apenas, enquanto o guideline da ASCO recomenda adicionar quimiorradioterapia após seis meses de quimioterapia adjuvante, para pacientes com linfonodos positivos ou margem positiva1.
Finalmente, o papel da quimioterapia neoadjuvante em pacientes com doença ressecável ainda é incerto, embora existam alguns centros selecionados que rotineiramente praticam essa modalidade terapêutica16. Os defensores argumentam que uma abordagem neoadjuvante permite uma avaliação objetiva de resposta ao tratamento, além de promover o tratamento precoce de micrometástases e possibilitar uma monitorização da biologia da doença antes de submeter o paciente a um procedimento cirúrgico mórbido.
Nos casos de doença boderline, o guideline da NCCN não recomenda cirurgia como abordagem inicial. Nesses casos, o tratamento multimodal neoadjuvante baseado em estudos retrospectivos mostrou maior chance de ressecção R017,18.
Os esquemas com multiagentes (FOLFIRINOX e gencitabina + nab-paclitaxel) vêm ganhando papel como abordagem neoadjuvante com o objetivo de permitir ressecção com margem negativa e reduzir recorrência sistêmica. O estudo ALLIANCE utilizou mFOLFIRINOX (4 ciclos) seguido de quimiorradioterapia baseada em capecitabina para pacientes com doença boderline, sendo que os pacientes ressecáveis eram submetidos a dois ciclos de Gencitabina adjuvante: 15 dos 22 pacientes tratados foram submetidos a ressecção cirúrgica, entre os quais 93% foi ressecção R0.
Embora quimioterapia com multiagentes confira maiores taxas de resposta, isso não foi bem documentado através do RECIST19. Entretanto, esse fato não deve impedir a tentativa de ressecção na ausência de progressão local ou à distância.
Assim, apesar de relevantes avanços alcançados no tratamento de outras neoplasias com a incorporação de terapia de alvo molecular, com agentes anti-EGFR ou anti-VEGF, dentre outros, ou de imunoterapia, esses benefícios não têm se estendido para os pacientes com câncer de pâncreas. Pesquisas devem ser realizadas com o intuito de descobrir vias de sinalização alternativas que conferem maior agressividade a esse tumor bem como maior resistência aos tratamentos ora disponíveis.
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