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AtualizadoQua, 15 Maio 2024 8pm

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Fatores de Prognóstico no Mieloma Múltiplo

MM.jpgNos últimos anos, grandes avanços ocorreram na compreensão da biologia e no tratamento do mieloma múltiplo. A introdução das chamadas novas drogas, as imunomoduladoras (talidomida, lenalidomida), inibidores de proteassoma (bortezomibe, carfilzomibe) e mais recentemente a imunoterapia, tem levado ao aumento da sobrevida. Gracia A Martinez, médica assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), fala sobre como refinamento na pesquisa de fatores de prognóstico pode melhorar a estratificação dos pacientes em subgrupos mais homogêneos quanto à expectativa de sobrevida.

MM.jpgNos últimos anos, grandes avanços ocorreram na compreensão da biologia e no tratamento do mieloma múltiplo. A introdução das chamadas novas drogas, as imunomoduladoras (talidomida, lenalidomida), inibidores de proteassoma (bortezomibe, carfilzomibe) e mais recentemente a imunoterapia, tem levado ao aumento da sobrevida. Gracia A Martinez, médica assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP), fala sobre como refinamento na pesquisa de fatores de prognóstico pode melhorar a estratificação dos pacientes em subgrupos mais homogêneos quanto à expectativa de sobrevida.

INTRODUÇÃO

Gracia A Martinez*

O mieloma múltiplo (MM) é uma doença de curso heterogêneo com sobrevida variando de poucos meses até mais de 10 anos. Nos últimos anos, grandes avanços ocorreram na compreensão da biologia e no tratamento do MM.  A introdução das chamadas novas drogas, as imunomoduladoras (talidomida, lenalidomida), inibidores de proteassoma (bortezomibe, carfilzomibe) e mais recentemente a imunoterapia, tem levado ao aumento da sobrevida.

Todavia, esta melhora não é uniforme e continuamos a observar heterogeneidade no curso da doença. Isso determina a necessidade de aprimorar os fatores de prognóstico, uma vez que as novas drogas podem superar o impacto negativo de características que até recentemente eram consideradas de mau prognóstico com a quimioterapia convencional. Este refinamento na pesquisa de fatores de prognóstico pode melhorar a estratificação dos pacientes em subgrupos mais homogêneos quanto à expectativa de sobrevida.

Fatores de Prognóstico

Os fatores de prognóstico são classificados como: 1. relacionados  ao hospedeiro; 2. relacionados à massa tumoral; 3. Relacionados à biologia do tumor. Os estudos avaliam uma destas classes de fatores e de acordo com a estratificação de risco é inferida a expectativa de vida. Com esta abordagem observa-se que dentro de um mesmo estadiamento pode ocorrer heterogeneidade na resposta. Vamos abordar estes fatores, individualmente, e a seguir comentaremos estudos mais recentes que combinam estes fatores e que podem definir um prognóstico mais preciso.

Fatores relacionados ao hospedeiro

Neste grupo de fatores associados ao hospedeiro, atenção especial deve ser dada aos pacientes mais idosos (>75anos), uma vez que o efeito adverso da idade não está somente relacionado à idade cronológica, mas associado à limitação física e cognitiva, comorbidades e síndromes geriátricas. Atualmente, o International Mieloma Working Group (IMWG) utiliza um score simplificado de avaliação geriátrica, baseado na capacidade do paciente executar as atividades de vida diária, as atividades instrumentais da vida diária e no índice de comorbidades de Charlson1.

Os pacientes são divididos em três grupos de risco. A sobrevida total em 3 anos para pacientes aptos (“fit”), não totalmente aptos (“fit intermediário”) e frágeis é de 84%, 76% e 57% respectivamente1 (para calcular o score acesse  o website htpp://www.myelomafrailtyscorecalculator.net/)2. A síndrome de fragilidade é definida como a situação de perdas multifuncionais que levam à capacidade reduzida de adaptação ao estresse, aumentando a probabilidade de queda, hospitalização, morbidade e mortalidade. Além disso, a fragilidade é fator de prognóstico independente do estadiamento, das alterações citogenéticas e do tratamento oferecido. Este índice de avaliação geriátrica, além de determinar a expectativa de sobrevida, orienta também qual a terapia adequada ao paciente, segundo o grupo de risco.

Fatores relacionado à massa tumoral

International Staging System(ISS): O estadiamento segundo Durie & Salmon foi durante muitos anos o padrão para determinação do prognóstico.  Esse sistema de estadiamento clínico baseia-se numa combinação de fatores que se correlaciona com a massa tumoral. Nesse sistema são avaliados: hemoglobina sérica, cálcio sérico, concentração do componente monoclonal, radiografia de esqueleto e avaliação da função renal.  Atualmente, este sistema de estadiamento vem sendo substituído pelo ISS, baseado nos valores da albumina sérica e da β2microglobulina (β2M)3. A β2Mé a cadeia leve do antígeno de histocompatibilidade e é secretada pelas células tumorais, apresentando correlação com a massa tumoral. Essa proteína é excretada pelos rins, portanto, seu valor está aumentado na insuficiência renal.  Nesses casos, o aumento da β2M é a somatória de dois fatores de prognóstico: massa tumoral e insuficiência renal. Os pacientes são classificados em três grupos de risco: Estadio I: β2M < 3,5 mg/dl e albumina ≥ 3,5 g. Estadio II: β2M< 3,5 g/dl e albumina < 3,5 g/dl ou a β2M ≥3,5 mg/dl e albumina < 3,5 g/dl. Estadio III: β2M  ≥5,5 mg/dl, com medianas de sobrevida de 62 meses, 44 meses e 29 meses para os estadios I, II, e III respectivamente. Todavia, dentro de um mesmo estadiamento os pacientes podem ter evoluções heterogêneas.

Desidrogenase láctica (DHL): Outro fator reconhecido como de mau prognóstico é a DHL. Valores elevados desta enzima são observados em 2 a 10% dos pacientes e estão associados à alta taxa proliferativa, evolução agressiva e doença extra-óssea. Estudo do IMWG demonstrou que a sobrevida a 5 anos para pacientes com DHL normal e para pacientes com DHL elevado é de  68% e 47%, respectivamente (p<0,001)4.   Este fator mantém o prognóstico reservado, mesmo com o uso de novos agentes quimioterápicos (imunomoduladores e inibidores de proteassoma), com mediana de sobrevida de 21 meses5.

Doença extramedular (DEM): Presença de DEM, tanto ao diagnóstico como durante progressão ou recidiva, confere prognóstico pobre. Pacientes com doença extramedular pré-transplante de células progenitoras hematopoiéticas apresentam sobrevida total aos 5 anos de 31% quando comparados a 60% naqueles com ausência desta manifestação. Estudo do grupo italiano, utilizando PET-CT ao diagnóstico, demonstrou redução da sobrevida livre de progressão e da sobrevida total em pacientes com DEM quando comparados com pacientes sem esta manifestação: 25% vs 60% a 4 anos e 65% vs 89% a 4 anos, respectivamente.

Fatores relacionados à biologia da doença

Para melhorar a estratificação de pacientes, características intrínsecas dos plasmócitos passaram a ser estudadas e entre elas as anormalidades citogenéticas, detectadas pelo iFISH (interphase fluorescent in situ hybridization), passaram a ter papel importante. Em recomendação do IMWG, um painel mínimo de citogenética deve ser realizado nos pacientes recém-diagnosticados: t(4;14), t(14;16) e a del(17p), uma vez que a presença destas alterações  define doença de alto risco. Em pacientes com MM recém-diagnosticado, a ausência de deleção do 17p, da translocação (4;14), t(14;16) estão  associadas com mediana de sobrevida de 50 meses, enquanto no alto risco, caracterizado pela presença de umas das alterações citadas acima, a mediana de sobrevida é de 24,5 meses. Estudos anteriores ao uso de novas drogas indicavam esta evolução desfavorável e mesmo com as novas drogas o mau prognóstico é mantido, principalmente da del 17p.  Em relação à t(4;14) estudos mais recentes têm demonstrado resultados controversos. A introdução de bortezomibe parece superar o impacto negativo desta translocação.  A associação da t (4;14) com β2M baixo e valor normal  de hemoglobina  confere risco intermediário6. Atualmente, também é investigado se a presença +1q e da t(14;20)  conferem pior prognóstico. Shaughnessy et al definiram um perfil genético de alto risco de 70 genes, sendo que 30% deles  estão mapeados no cromossoma 1, sugerindo o impacto do ganho(1q) ou del( 1p)7.

Além disso, a superexpressão CKS1B localizado no 1q21 está associada com doença agressiva. Leone et al focaram na deleção de  CDKN2  localizado no cromossoma 1p32.3, que afeta a regulação do ciclo celular e a patogênese do MM8.                                                                                                         

As alterações citogenéticas, apesar da sua importância, não são pesquisadas na maioria dos serviços públicos brasileiros por seu custo elevado.

Perfil de expressão genética

O perfil da expressão genética em MM pode identificar grupos de alto risco.  Em estudo de Shaughnessy, citado anteriormente, a expressão de 70 genes foi identificada com prognóstico pobre: curta duração da remissão completa, da sobrevida livre de progressão e da sobrevida total, respectivamente7. Análise multivariada desse estudo identificou um subgrupo de 17 genes que reconhecem o prognóstico da mesma forma que o modelo com 70 genes. Um segundo estudo do Grupo Francês identificou um grupo de 15 genes fortemente associados com sobrevida. Todavia é interessante que estes dois grupos não identificaram os mesmos genes, demonstrando a complexidade do comportamento biológico do tumor. A pesquisa do perfil genético é complexa e não é realizada rotineiramente na prática clínica.

Resposta à terapia: a resposta à terapia de indução representa um dos mais importantes fatores de prognóstico. Na experiência do Grupo Espanhol, pacientes que não respondem ao tratamento inicial apresentam sobrevida inferior a dois anos. Entretanto, existe um grupo de pacientes que obtém resposta completa, mas, com duração da resposta inferior a seis meses. Estes pacientes de alto risco podem ser identificados pela presença de citogenética de alto risco ao diagnóstico e com persistência da doença após TMO.  A mediana de sobrevida destes pacientes é de 21 meses6.

Associação de classes de fatores

Atualmente, vários estudos vêm sugerindo a associação de alguns fatores de prognóstico com a finalidade de refinar o prognóstico. Em trabalho recente, o IMWG propõe um ISS revisado (R-ISS) que associa o ISS, as alterações citogenéticas (AC) e o DHL4. São definidos 3 grupos de risco:  1) R-ISS I: ISS estadio I mais ausência de AC de alto risco (del 17p, e/ou t(4;14), e/ou t(14;16)  mais DHL normal; 2) R- ISS III: ISS  estádio III,  mais AC de alto risco ou valor elevado de DHL e 3) R-ISS II: as outras combinações. Com uma mediana de seguimento de 46 meses, a sobrevida estimada a 5 anos é de 82%, 62%, 40% para os estádios  I, II e III do R-ISS4. Este novo sistema de estadiamento é recomendado particularmente para estudos clínicos, para estratificação de pacientes e avaliação da resposta a novas terapias.

Usmani  et al 6 sugerem a identificação de um grupo de pacientes classificados como de ultra alto risco, com sobrevida inferior a 2 anos. Estes pacientes são reconhecidos pelas seguintes características: 1. Presença de duas ou mais AC de alto risco; 2. Uma  citogenética adversa mais DHL elevado ou ISS-3;  3. Pacientes com mais de 400 plasmócitos circulantes, identificados por citometria de fluxo; 4. Pacientes tratados com terapias de indução que incluem um imunomodulador e um inibidor de proteossoma e que apresentam menos que resposta parcial.

Conclusão

Na prática clínica, em futuro não distante, a terapia do MM deve se tornar mais individualizada, baseada na melhor compreensão da fisiopatologia da doença. A associação de classes diferentes de fatores de prognóstico tem contribuído com o refinamento do prognóstico dos pacientes com MM.  Atualmente, em nosso meio, podemos utilizar o ISS associado aos valores séricos de DHL. Nos Serviços onde a realização do FISH é possível, utilizar o ISS-R conforme indicação do IMWG.

Autora: *Gracia A Martinez, médica assistente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (ICESP)

Referências Bibliográficas

1.Palumbo A, Bringhen S, Mateos MV, et al. Geriatric assessment predicts survival and toxicities in elderly myeloma patients: an International Myeloma Working Group report. Blood, 2015;125:2068-74

2. Larocca A, Palumbo A. How I treat fragile myeloma patients. Blood 2015 Aug 31 (Epub ahead of print).

3.Greipp PR, San Miguel J, Durie BG, et al. International staging system for multiple myeloma. J Clin Oncol,2005;23:3412-20.

4. Palumbo A, Avet-Loiseau H, Oliva S, et al. Revised International staging system for multiple myeloma. J Clin Oncol,2015;33:2863-69.

5. Terpos E, Katodritou E, Roussou M, et al. High serum lactate dehydrogenase adds prognostic value to the international staging system even in the era of novel agents. Eur J Haematol, 2010; 85: 114-119.
A, Avet-Loiseau H, Oliva S, et al. Revised International staging system for multiple myeloma

6. Usmani SZ, Rodrigues-Otero P, Bhutani M, et al. Defining and treating high-risk multiple myeloma.  Leukemia 2015.

7. Shaughnessy JD, Zhan F, Burington Be, et al. A validated gene expression model of high-risk multiple myeloma is defined by deregulated expression of gene mapping to chromosome 1. Blood 2007;109 2276-84.

8. Leone Pe, Walker BA, Jenner MW , et al.  Deletions of CKN2C in multiple myeloma: biological and clinical implications. Clin Cancer Res. 2008;14: 6033-41.
 

 


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